quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Filosofia (O problema do Livre Arbítrio)

O livre Arbítrio um Bem ou um Mal?

Em forma de diálogo, respondamos a seguinte questão: Deus criou o mal? E ainda: Seria a liberdade um mal ou um bem? Todas essas questões resolvidas estão expostas no livro O Livre-Arbítrio, de Santo Agostinho.

* * *

Ateu: Se Deus criou tudo o que existe e o mal existe, então Deus criou o mal.

Cristão: Deus, sendo bom, não pode criar o mal. Mas, como resolver esse dilema?

Imagine uma bola onde está escrito: “Obedeça a seus pais”. Deus lhe deu liberdade, essa capacidade que você tem de obedecer aos seus pais ou não. Ao obedecê-los você está guiando a sua liberdade à aceitação dessa bola. Ao desobedecê-los, no entanto, você está conduzindo a sua liberdade à rejeição da bola. Ao rejeitá-la, contudo, nenhum outro objeto foi criado. Você apenas escolheu. Nada mais. A renúncia à obediência é a desobediência. Ora, a obediência existe, de fato. Mas, a desobediência é apenas uma negação dessa realidade já criada.

Agora, imagine uma bola onde está escrita a palavra “bem”. Você, como ser livre, tem duas opções ou aprecia essa bola, ou a rejeita. A sua rejeição significaria praticar o mal, e não a criação de outra bola. Em termos mais exatos, para que você seja bom, é preciso que você fique com o bem. Para praticar o mal, no entanto, basta que você não fique com ele, que você renuncie ao bem. Assim sendo, o mal é resultado de uma renúncia, atitude de nossa liberdade, e não de Deus.

Deus, de fato, tudo criou. Mas, o mal não existe assim como o bem. Aquele é apenas uma negação desse. Portanto, Deus não criou o mal. Quem o pratica é o homem quando abusa da sua liberdade.

Ateu: Ora, se a culpada pela escolha do mal é a liberdade, penso que Deus não deveria concedê-la a nós.

Cristão: O livre-arbítrio não é de modo algum um mal. O mau uso do mesmo, no entanto, não pode ser um bem. O fato é que, sem o livre-arbítrio, não poderíamos sequer praticar o bem. Ele de fato existiria – a bola não deixa de existir só porque eu não tenho liberdade – mas eu não poderia escolhê-la. Assim, sem o livre-arbítrio não podemos ser bons. Com efeito, Deus não impõe a bola a nós, como se fôssemos obrigados a praticar o bem. Se Ele isso fizesse, não seríamos verdadeiramente felizes pois estaríamos praticando algo forçadamente. Assim, o livre-arbítrio é certamente um bem. O mau uso da liberdade, a rejeição do Bem eterno e imutável, contudo, se apresentam como ruins, e não a liberdade em si, que nos torna capazes do bem.

Ecclesia Una 

Everth Queiroz Oliveira

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Filosofia (O mito da Caverna)


O Mito da Caverna 
 

reprodução
   Platão    (428-347)
O Mito da Caverna narrado por Platão no livro VII do Republica é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras a nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. A mais recente delas é o livro de José Saramago A Caverna.

 



A Condição Humana 


 

Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz condição. Imaginou (no Livro VII de A República, um diálogo escrito entre 380-370 a.C.) todos presos desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam a olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Supondo a seguir que existissem algumas pessoas, uns prisioneiros, carregando para lá para cá, sobre suas cabeças, estatuetas de homens, de animais, vasos, bacias e outros vasilhames, por detrás do muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda uma escassa iluminação vindo do fundo do subterrâneo, disse que os habitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar o bruxuleio das sombras daqueles objetos, surgindo e se desafazendo diante deles. Era assim que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o espectro pela realidade. A sua existência era pois inteiramente dominada pela ignorância (agnóia). 




Libertando-se dos grilhões 
 

Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e vê. Mas, depois,

reprodução (estátua de Rodin)
   Livre é quem pensa
aclimatado, ele iria desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade outra de objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda estupefato, ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que fora criado. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se escancarava perante ele, podendo então vislumbrar e embevecer-se com o mundo das formas perfeitas. 





Extraído do livro "Convite à Filosofia" de Marilena Chaui.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Filosofia (Escolástica)

 As provas da Existência de Deus


"Ninguém afirma: `Deus não existe' sem antes ter desejado que Ele não exista".

Esta frase, de um filósofo muito suspeito, por ser esotérico - Joseph de Maistre - tem muito de verdade.

Com efeito, o devedor insolvente gostaria que seu credor não existisse. O pecador que não quer deixar o pecado, passa a negar a existência de Deus.

Por isso, quando se dá as provas da existência de Deus para alguém, não se deve esquecer que a maior força a vencer não é a dos argumentos dos ateus, e sim o desejo deles de que Deus não exista. Não adiantará dar provas a quem não quer aceitar sua conclusão. Em todo caso, as provas de Aristóteles e de São Tomás a respeito da existência de Deus têm tal brilho e tal força que convencem a qualquer um que tenha um mínimo de boa vontade e de retidão intelectual.

É para essas pessoas que fazemos este pequeno resumo dos argumentos de São Tomás sobre a existência de Deus, tendo por base o que ele diz na Suma Teológica I, q.2, a.a 1, 2, 3 e 4.

Inicialmente, pergunta São Tomás se a existência de Deus é verdade de evidência imediata. Ele explica que uma proposição pode ser evidente de dois modos:

1) em si mesma, mas não em relação a nós;
2) em si mesma e para nós.

Uma proposição é evidente quando o predicado está incluído no sujeito. Por exemplo, a proposição o homem é animal é evidente, já que o predicado animal está incluso no conceito de homem.

Quando alguns não conhecem a natureza do sujeito e do predicado, a proposição - embora evidente em si mesma - não será evidente para eles. Ela será evidente apenas para os que conhecem o que significam o sujeito e o predicado. Por exemplo, a frase: "O que é incorpóreo não ocupa lugar no espaço", é evidente em si mesma e é evidente somente aqueles que sabem o que é incorpóreo.

Tendo em vista tudo isso, São Tomás diz que:

a) A proposição "Deus existe" é evidente em si mesma porque nela o predicado se identifica com o sujeito, já que Deus é o próprio ente.

b) Mas, com relação a nós, que desconhecemos a natureza divina, ela não é evidente, mas precisa ser demonstrada. E o que se demonstra não é evidente. O que é evidente para nós não cabe ser demonstrado. 

Portanto, a existência de Deus pode ser demonstrada. Contra isso, São Tomás dá uma objeção, dizendo que a existência de Deus é um artigo de fé. Ora, o que é de fé não pode ser demonstrado. Logo, concluir-se-ia que não se pode demonstrar que Deus existe. São Tomás ensina que há dois tipos de demonstração:

1) Demonstração propter quid (devido a que)

É a que se baseia na causa. Ela parte do que é anterior (a causa) discorrendo para o que é posterior ( o efeito).

2) Demonstração quia (porque)

É a que parte do efeito para conhecer a causa.

Quando vemos um efeito mais claramente que sua causa, pelo efeito acabamos por conhecer a causa. Pois o efeito depende da causa, e é, de algum modo, sempre semelhante a ela. Então, embora a existência de Deus não seja evidente apenas para nós, ela é demonstrável pelos efeitos que dela conhecemos.

A existência de Deus e outras verdades semelhantes a respeito dele que podem ser conhecidos pela razão, como diz São Paulo Rom. I, 19), não são artigos de fé. Deste modo, a fé pressupõe o conhecimento natural, assim como a graça pressupõe a natureza e a perfeição pressupõe o que é perfectível.

Entretanto, alguém que não conheça ou não entenda a demonstração filosófica da existência de Deus, pode aceitar a existência dele por fé.

É no artigo 3 dessa questão 2 da 1ª parte da Suma Teológica que São Tomás expõe as provas da existência de Deus. São as famosas 5 vias tomistas.


É a prova mais clara. 

É inegável que há coisas que mudam. Nossos sentidos nos mostram que a planta cresce, que o céu fica nublado, que a folha passa a ser escrita, que nós envelhecemos, que mudamos de lugar, etc.

Há mudanças substanciais. Ex.: madeira que vira carvão. Há mudanças acidentais. Ex: parede branca que é pintada de verde. Há mudanças quantitativas. Ex: a água de um pires diminuindo por evaporação. Há mudanças locais. Ex: Pedro vai ao Rio.

Nas coisas que mudam, podemos distinguir:

a) As qualidades ou perfeições já existentes nelas.
b) as qualidades ou perfeições que podem vir a existir, que podem ser recebidas por um sujeito.

As perfeições existentes são ditas existentes em Ato.

As perfeições que podem vir a existir num sujeito são existentes em Potência passiva. Assim, uma parede branca tem brancura em Ato, mas tem cor vermelha em Potência.

Mudança ou movimento é pois a passagem de potência de uma perfeição qualquer (x) para a posse daquela perfeição em Ato.

M = PX ---->> AX

Nada pode passar, sozinho, de potência para uma perfeição, para o Ato daquela mesma perfeição. Para mudar, ele precisa da ajuda de outro ser que tenha aquela qualidade em Ato.

Assim, a panela pode ser aquecida. Mas não se aquece sozinha. Para aquecer-se, ela precisa receber o calor de outro ser - o fogo - que tenha calor em Ato.

Outro exemplo: A parede branca em Ato, vermelha em potência, só ficará vermelha em Ato caso receba o vermelho de outro ser - a tinta - que seja vermelho em Ato.

Noutras palavras, tudo o que muda é movido por outro. É movido aquilo que estava em potência para uma perfeição. Em troca, para mover, para ser motor, é preciso ter a qualidade em ato. O fogo (quente em ato) move, muda a panela (quente em potência) para quente em ato.

Ora, é impossível que uma coisa esteja, ao mesmo tempo, em potência e em ato para a mesma qualidade.
Ex.: Se a panela está fria em ato, ela tem potência para ser aquecida. Se a panela está quente em ato ela não tem potência para ser aquecida.

É portanto impossível que uma coisa seja motor e móvel, ao mesmo tempo, para a mesma perfeição. É impossível, pois, que uma coisa mude a si mesma.

Tudo o que muda é mudado por outro.

Tudo o que se move é movido por outro.

Se o ente 1 passou de Potência de x para Ato x, é porque o ente 1 recebeu a perfeição x de outro ente 2 que tinha a qualidade x em Ato.

Entretanto, o ente 2 só pode ter a qualidade x em Ato se antes possuía a capacidade - a potência de ter a perfeição x.

Logo, o ente 2 passou, ele também, de potência de x para Ato x. Se o ente 2 só passou de PX para AX, é porque ele também foi movido por um outro ente, anterior a ele, que possuía a perfeição x em Ato.

Por sua vez, também o ente 3 só pode ter a qualidade x em Ato, porque antes teve Potência de x e só passou de PX para AX pela ajuda de outro ente 4 que tinha a qualidade x em Ato. E assim por diante.

PX ---> AX PX (5) ---> AX PX (4) ---> AX PX (3) ---> AX PX (2) ---> AX (1)

Esta seqüência de mudanças ou é definida ou indefinida. Se a seqüência fosse indefinida, não teria havido um primeiro ser que deu início às mudanças.

Noutras palavras, em qualquer seqüência de movimentos, em cada ser, a potência precede o ato. Mas, para que se produza o movimento nesse ser, é preciso que haja outro com qualidade em ato.

Se a seqüência de movimentos fosse infinita, sempre a potência precederia o ato, e jamais haveria um ato anterior à potência. É necessário que o movimento parta de um ser em ato. Se este ser tivesse potência, não se daria movimento algum. O movimento tem que partir de um ser que seja apenas ato.

Portanto, a seqüência não pode ser infinita.

Ademais, está se falando de uma série de movimentos nas coisas que existem no universo.

Ora, esses movimentos se dão no espaço e no tempo. Tempo-espaço são mensuráveis. Portanto, não são movimentos que se dão no infinito.

A seqüência de movimentos em tempo e espaço finitos tem que ser finita.

E que o universo seja finito se compreende, por ser ele material. Sendo a matéria mensurável, o universo tem que ser finito.

Que o universo é finito no tempo se comprova pela teoria do Big Bang e pela lei da entropia. O universo principiou e terá fim. Ele não é infinito no tempo.

Logo, a seqüência de movimentos não pode ser infinita, pois se dá num universo finito.

Ao estudarmos as cinco provas de S. Tomás sobre a existência de Deus, devemos ter sempre em mente que ele examina o que se dá nas "coisas criadas", para, através delas, compreender que existe um Deus que as criou e que lhes deu as qualidades visíveis, reflexos de suas qualidades invisíveis e em grau infinito.

Este primeiro motor não pode ser movido, porque não há nada antes do primeiro. Portanto, esse 1º ente não podia ter potência passiva nenhuma, porque se tivesse alguma ele seria movido por um anterior. Logo, o 1º motor só tem ATO. Ele é apenas ATO, isto é, tem todas as perfeições. Este ser é Deus.

Deus então é ATO puro, isto é, ATO sem nenhuma potência passiva. Este ser que é ato puro não pode usar o verbo ser no futuro ou no passado. Deus não pode dizer "eu serei bondoso", porque isto implicaria que não seria atualmente bom, que Ele teria potência de vir a ser bondoso.

Deus também não pode dizer "eu fui", porque isto implicaria que Ele teria mudado, isto é, passado de potência para Ato. Deus só pode usar o verbo ser no presente. Por isso, quando Moisés perguntou a Deus qual era o seu nome, Deus lhe respondeu "Eu sou aquele que é" (aquele que não muda, que é ato puro).

Também Jesus Cristo ao discutir com os fariseus lhes disse: "Antes que Abraão fosse, eu sou" (Jo. VIII, 58). E os judeus pegaram pedras para matá-lo porque dizendo eu sou Ele se dizia Deus.

Na ocasião em que foi preso, Cristo perguntou: "a quem buscais ?", e, ao dizerem "a Jesus de Nazaré", ele lhes respondeu: "Eu sou". E a essas palavras os esbirros caíram no chão, porque era Deus se definindo.

Do mesmo modo, quando Caifás esconjurou que Cristo dissesse se era o Filho de Deus, Ele lhe respondeu: "Eu sou". E Caifás entendeu bem que Ele se disse Deus, porque imediatamente rasgou as vestes dizendo que Cristo blasfemara afirmando-se Deus.

Deus é, portanto, ATO puro. É o ser que não muda. Ele é aquele que é. Por isso, a verdade não muda. O dogma não muda. A moral não evolui. O bem é sempre o mesmo.A beleza não muda.

Quando os modernistas afirmam que a verdade, o dogma, a moral, a beleza evoluem, eles estão dizendo que Deus evolui, que Ele não é ATO puro. Eles afirmam que Deus é fluxo, é ação, é processo e não um ente substancial e imutável.

É o que afirma hereticamente a Teologia da Libertação. Diz Frei Boff:

" Assim, o Deus cristão é um processo de efusão, de encontro, de comunhão entre distintos enlaçados pela vida, pelo amor." (Frei Boff, A Trindade e a Sociedade, p. 169)

Ou então:

"Assim, Mary Daly sugere compreendermos Deus menos como substância e mais como processo, Deus como verbo ativo (ação) e menos como um substantivo. Deus significaria o viver, o eterno tornar-se, incluindo o viver da criação inteira, criação que, ao invés de estar submetida ao ser supremo, participaria do viver divino." (Frei Boff, A Trindade e a Sociedade, pp. 154-155)

É natural pois que Boff tenha declarado em uma conferência em Teófilo Otono:

Como teólogo digo: sou dez vezes mais ateu que você desse deus velho, barbudo lá em cima. Até que seria bom a gente se livrar dele." (Frei Boff, Pelos pobres, contra a pobreza, p. 54)


Toda causa é anterior a seu efeito. Para uma coisa ser causa de si mesma teria de ser anterior a si mesma. Por isso neste mundo sensível, não há coisa alguma que seja causa de si mesma. Além disso, vemos que há no mundo uma ordem determinada de causas eficientes.

Assim, numa série definida de causas e efeitos, o resfriado é causado pela chuva, que é causada pela evaporação, que é causada pelo calor, que é causado pelo Sol. No mundo sensível, as causas eficientes se concatenam às outras, formando uma série em que umas se subordinam às outras: A primeira, causa as intermediárias e estas causam a última. Desse modo, se for supressa uma causa, fica supresso o seu efeito. Supressa a primeira, não haverá as intermediárias e tampouco haverá então a última.

Se a série de causas concatenadas fosse indefinida, não existiria causa eficiente primeira, nem causas intermediárias, efeitos dela, e nada existiria. ora, isto é evidentemente falso, pois as coisas existem. Por conseguinte, a série de causas eficientes tem que ser definida. Existe então uma causa primeira que tudo causou e que não foi causada.

Deus é a causa das causas não causada. Esta prova foi descoberta por Sócrates que morreu dizendo: "Causa das causas, tem pena de mim". A negação da Causa primeira leva à ciência materialista a contradizer a si mesma, pois ela concede que tudo tem causa, mas nega que haja uma causa do universo.

O famoso físico inglês Stephen Hawkins em sua obra "Breve História do Tempo" reconheceu que a teoria do Big-Bang (grande explosão que deu origem ao universo, ordenando-o e não causando desordem, como toda explosão faz devido a Lei da entropia) exige um ser criador. Hawkins admitiu ainda que o universo é feito como uma mensagem enviada para o homem. Ora, isto supõe um remetente da mensagem. Ele, porém, confessa que a ciência não pode admitir um criador e parte então para uma teoria gnóstica para explicar o mundo.

O mesmo faz o materialismo marxista. Negando que haja Deus criador do universo, o marxismo se vê obrigado a transferir para a matéria as qualidades da Causa primeira e afirmar, contra toda a razão e experiência, que a matéria é eterna, infinita e onipotente. Para Marx, a matéria é a Causa das causas não causada.


Na natureza, há coisas que podem existir ou não existir. Há seres que se produzem e seres que se destroem. Estes seres, portanto, começam a existir ou deixam de existir. Os entes que têm possibilidade de existir ou de não existir são chamados de entes contingentes. Neles, a existência é distinta da sua essência, assim o ato é distinto da potência. Ora, entes que têm a possibilidade de não existir, de não ser, houve tempo em que não existiam, pois é impossível que tenham sempre existido.

Se todos os entes que vemos na natureza têm a possibilidade de não ser, houve tempo em que nenhum desses entes existia. Porém, se nada existia, nada existiria hoje, porque aquilo que não existe não pode passar a existir por si mesmo. O que existe só pode começar a existir em virtude de um outro ente já existente. Se nada existia, nada existiria também agora. O que é evidentemente falso, visto que as coisas contingentes agora existem.

Por conseguinte, é falso que nada existia. Alguma coisa devia necessariamente existir para dar, depois, existência aos entes contingentes. Este ser necessário ou tem em si mesmo a razão de sua existência ou a tem de outro.

Se sua necessidade dependesse de outro, formar-se-ia uma série indefinida de necessidades, o que, como já vimos é impossível. Logo, este ser tem a razão de sua necessidade em si mesmo. Ele é o causador da existência dos demais entes. Esse único ser absolutamente necessário - que tem a existência necessariamente - tem que ter existido sempre. Nele, a existência se identifica com a essência. Ele é o ser necessário em virtude do qual os seres contingentes tem existência. Este ser necessário é Deus.


Vemos que nos entes, uns são melhores, mais nobres, mais verdadeiros ou mais belos que outros. Constatamos que os entes possuem qualidades em graus diversos. Assim, dizemos que o Rio de Janeiro é mais belo que Carapicuíba. Nessa proposição, há três termos: Rio de Janeiro, Carapicuíba e Beleza da qual o Rio de Janeiro participa mais ou está mais próximo. Porque só se pode dizer que alguma coisa é mais que outra, com relação a certa perfeição, conforme sua maior proximidade, participação ou semelhança com o máximo dessa perfeição.

Portanto, tem que existir a Verdade absoluta, a Beleza absoluta, o Bem absoluto, a Nobreza absoluta, etc. Todas essas perfeições em grau máximo e absoluto coincidem em um único ser, porque, conforme diz Aristóteles, a Verdade máxima é a máxima entidade. O Bem máximo é também o ente máximo.

Ora, aquilo que é máximo em qualquer gênero é causa de tudo o que existe nesse gênero. Por exemplo, o fogo que tem o máximo calor, é causa de toda quentura, conforme diz Aristóteles. Há, portanto, algo que é para todas as coisas a causa de seu ser, de sua bondade, de sua verdade e de todas as suas perfeições. E a isto chamamos Deus.

Por esta prova se vê bem que a ordem hierárquica do universo é reveladora de Deus, permitindo conhecer sua existência, assim como conhecer suas perfeições. É o que diz São Paulo na Epístola aos Romanos (I, 19). E também é por isso que Deus, ao criar cada coisa dizia que ela era boa, como se lê no Gêneses ( I ). Mas quando a Escritura termina o relato da criação, diz que Deus, ao contemplar tudo quanto havia feito, viu que o conjunto da criação era "valde bona", isto é, ótimo.

Pois bem, se cada parcela foi dita apenas boa por Deus como se pode dizer que o total é ótimo? O total deve ter a mesma natureza das parcelas, e portanto o total de parcelas boas devia ser dito simplesmente bom e não ótimo. São Tomás explica essa questão na Suma contra Gentiles. Diz ele que o total foi declarado ótimo porque, além da bondade das partes havia a sua ordenação hierárquica. É essa ordem do universo que o torna ótimo, pois a ordem revela a Sabedoria do Ordenador. Por aí se vê que o comunismo, ao defender a igualdade como um bem em si, odeia a ordem, imagem da Sabedoria de Deus. Odiando a imagem de Deus, o comunismo odeia o próprio Deus, porque quem odeia a imagem odeia o ser por ela representado. Nesse ódio está a raiz do ateísmo marxista e de sua tendência gnóstica.


Verificamos que os entes irracionais obram sempre com um fim. Comprova-se isto observando que sempre, ou quase sempre, agem da mesma maneira para conseguir o que mais lhes convém.

Daí se compreende que eles não buscam o seu fim agindo por acaso, mas sim intencionalmente. Aquilo que não possui conhecimento só tende a um fim se é dirigido por alguém que entende e conhece. Por exemplo, uma flecha não pode por si buscar o alvo. Ela tem que ser dirigida para o alvo pelo arqueiro. De si, a flecha é cega. Se vemos flechas se dirigirem para um alvo, compreendemos que há um ser inteligente dirigindo-as para lá. Assim se dá com o mundo. Logo, existe um ser inteligente que dirige todas as coisas naturais a seu fim próprio. A este ser chamamos Deus.

Uma variante dessa prova tomista aparece na obra "A Gnose de Princeton". Apesar de gnóstica esta obra apresenta um argumento válido da existência de Deus.

Filmando-se em câmara lenta um jogador de bilhar dando uma tacada numa bola, para que ela bata noutra a fim de que esta corra e bata na borda, em certo ângulo, para ser encaçapada, e se depois o filme for projetado de trás para diante, ver-se-á a bola sair da caçapa e fazer o caminho inverso até bater no taco e lançar para trás o braço do jogador. Qualquer um compreende, mesmo que não conheça bilhar, que a segunda seqüência não é a verdadeira, que é absurda. Isto porque à segunda seqüência faltou a intenção, que transparece e explica a primeira seqüência de movimentos. Daí concluir com razão, a obra citada, que o mundo cego caminha - como a flecha ou como a bola de bilhar - em direção a um alvo, a um fim. Isto supõe então que há uma inteligência que o dirige para o seu fim. Há pois uma inteligência que governa o mundo. Este ser sapientíssimo é Deus.

Fedeli, Orlando - "Existência de Deus"
MONTFORT Associação Cultural

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Filosofia (O Mundo das Idéias)

O Mundo das Idéias

Antes de Platão (427-347 a.C.), Empédocles (494-434 a.C.) e Demócrito (460-370 a.C.) haviam observado que apesar de os fenômenos da natureza "fluírem", havia "algo" que nunca se modificava (as quatro raízes ou os átomos). 

Para Platão tudo o que podemos tocar e sentir na natureza "flui". Não existe, portanto, um elemento básico que não se desintegre. Absolutamente tudo o que pertence ao mundo dos sentidos é feito de um material sujeito à corrosão do tempo. Ao mesmo tempo, tudo é formado a partir de uma forma eterna e imutável. 

Para exemplificar a visão de Platão, considere um conjunto de cavalos. Apesar deles não serem exatamente iguais, existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, um exemplar isolado do cavalo, este sim "flui", "passa". Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadeira forma do cavalo é eterna e imutável. 

Numa outra situação, considere que você passe em frente a uma vitrine de uma padaria (sua primeira padaria) e vê sobre um tabuleiro cinqüenta broas exatamente iguais, todas em forma de anõezinhos. Apesar de você perceber que um anãozinho está sem o braço, o outro perdeu a cabeça e um terceiro tem uma barriga maior que a dos outros, você chega à conclusão que todas as broas têm um denominador comum. Embora nenhum dos anõezinhos seja absolutamente perfeito, você suspeita que eles devem ter uma origem comum. E chega à conclusão de que todos foram assados na mesma fôrma. 

Platão ficou admirado com a semelhança entre todos os fenômenos da natureza e chegou, portanto, à conclusão de que "por cima" ou "por trás" de tudo o que vemos à nossa volta há um número limitado de formas. A estas formas Platão deu o nome de idéias. Por trás de todos os cavalos, porcos e homens existe a "idéia cavalo", a "idéia porco" e a "idéia homem". (E é por causa disto que a citada padaria pode fazer broas em forma de porquinhos ou de cavalos, além de anõezinhos. Pois uma padaria que se preze geralmente tem mais do que uma fôrma. Só que uma única fôrma é suficiente para todo um tipo de broa.) 

Platão acreditava numa realidade autônoma por trás do mundo dos sentidos. A esta realidade ele deu o nome de mundo das idéias. Nele estão as "imagens padrão", as imagens primordiais, eternas e imutáveis, que encontramos na natureza. Esta concepção é chamada por nós de a Teoria das Idéias de Platão

Em resumo, para Platão a realidade se dividia em duas partes. A primeira parte é o mundo dos sentidos, do qual não podemos ter senão um conhecimento aproximado ou imperfeito, já que para tanto fazemos uso de nossos cinco (aproximados e imperfeitos) sentidos. Neste mundo dos sentidos, tudo "flui" e, consequentemente, nada é perene. Nada é no mundo dos sentidos; nele, as coisas simplesmente surgem e desaparecem. A outra parte é o mundo das idéias, do qual podemos chegar a ter um conhecimento seguro, se para tanto fizermos uso de nossa razão. Este mundo das idéias não pode, portanto, ser conhecido através dos sentidos. Em compensação, as idéias (ou formas) são eternas e imutáveis. 

Assim como os filósofos que o antecederam, Platão também queria encontrar algo de eterno e de imutável em meio a todas as mudanças. Foi assim que ele chegou às idéias perfeitas, que estão acima do mundo sensorial. Além disto, Platão considerava essas idéias mais reais do que os próprios fenômenos da natureza. Primeiro vinha a idéia cavalo e depois todos os cavalos do mundo dos sentidos. A idéia galinha vinha, portanto, antes da galinha e do ovo.
 


As idéias não são inatas

 
Aristóteles (384-322 a.C.) achava que Platão tinha virado tudo de cabeça para baixo. Ele concordava com seu mestre em que o exemplar isolado do cavalo "flui", "passa", e que nenhum cavalo vive para sempre. Ele também concordava que, em si, a forma do cavalo era eterna e imutável. Mas a idéia cavalo não passava para ele de um conceito criado pelos homens e para os homens, depois de eles terem visto um certo número de cavalos. A idéia ou a forma cavalo não existiam, portanto, antes da experiência vivida. Para Aristóteles, a forma cavalo consiste nas características do cavalo, ou seja, naquilo que chamaríamos de espécie
Aristóteles entendia por forma aquilo que todos os cavalos têm em comum. E aqui a imagem da fôrma de fazer broa perde a sua validade, pois as fôrmas de fazer broas existem independentemente de cada broa em particular. Aristóteles não acreditava que houvesse na natureza um armário, por assim dizer, com fôrmas desse tipo. Para ele, as formas estavam dentro das próprias coisas; as formas das coisas eram suas características próprias. 

Ele também não concordava com Platão no que se refere ao fato de a "idéia galinha" vir antes da galinha propriamente dita. Aquilo que Aristóteles chama de a forma galinha está em todas as galinhas e são as características que distinguem as galinhas. Assim, a galinha em si e a forma galinha são duas coisas tão inseparáveis quanto o corpo e a alma. 

Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que não existe nada na consciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Platão poderia ter dito que não existe nada na natureza que não tivesse existido antes no mundo das idéias. Aristóteles achava que, desta forma, Platão estava duplicando o número de coisas. Ele tinha explicado o exemplar isolado do cavalo fazendo referência à "idéia cavalo". Mas de onde saiu a "idéia cavalo"? Será que, nesta linha de raciocínio, não poderia existir ainda um terceiro cavalo, de que a "idéia cavalo" não fosse senão uma imitação? 

Aristóteles achava que todas as nossas idéias e pensamentos tinham entrado em nossa consciência através do que víamos e ouvíamos. Mas nós também temos uma razão inata. Temos uma capacidade inata de ordenar em diferentes grupos e classes todas as nossas impressões sensoriais. É assim que surgem conceitos como os de pedra, planta, animal e homem. Para ele a razão era precisamente a característica mais importante do homem. Só que nossa razão permanece totalmente "vazia" enquanto não percebemos nada. Uma pessoa, portanto, não possui idéias inatas.
 


Forma e Substância

 
Aristóteles constatou que a realidade consiste em várias coisas isoladas, que representam uma unidade de forma e substância. A substância é o material de que a coisa se compõe, ao passo que a forma são as características peculiares da coisa. 

Uma galinha bate as asas na sua frente. A forma da galinha é precisamente o bater de asas, o cacarejar e a postura de ovos. Assim, a forma da galinha é aquilo que ela faz. Quando a galinha morre – e, portanto, pára de cacarejar - , a forma da galinha também deixa de existir. A única coisa que resta é a substância da galinha. Mas aquilo não é mais uma galinha. 

Para Aristóteles, quando reconhecemos as coisas, nós as ordenamos em diferentes grupos ou categorias. Por exemplo, vejo um cavalo hoje, outro amanhã e outro depois de amanhã. Os cavalos não são exatamente iguais, mas há alguma coisa que é comum a todos os cavalos. E esta coisa que é comum a todos os cavalos é a forma do cavalo. Tudo o que é distinto ou individual pertence à substância do cavalo. 

Aristóteles tentou mostrar que todas as coisas na natureza pertenciam a diferentes grupos e subgrupos. Hermes é um ser vivo. Ou melhor, um animal. Ou melhor, um cachorro. Ou melhor, um labrador. Ou melhor, um labrador macho). 



(Tirado de O Mundo de Sofia: Jostein Gaarder)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Teologia (Escatologia)




O mundo assim como Deus quer
  

Revista "MUNDO e MISSÃO"


Renold J. Blank



ual a relação que Deus tem com este mundo? Toda prática religiosa e todo 
culto e, no fundo, até toda doutrina teológica se mede na resposta a essa indagação. Onde, neste mundo, devemos situar Deus? Conforme a resposta que se dá a esta questão, a religião se torna convincente ou ridícula, alienante ou conscientizadora, caminho de fuga ou força transformadora.

Há pessoas que o situam no topo de uma pirâmide hierárquica de poderes e, conseqüentemente, compreendem religião em termos de sistema também hierarquizado, cujo primeiro objetivo é a veneração desse Senhor supremo. Há outras que colocam Deus para fora do mundo, aceitando-o no máximo como espectador passivo de um processo que não mais depende dele. Para essas, religião se aproxima de cultura popular e de manifestações culturais, para embelezar as nossas festas.

Há outras que, pelo contrário, o querem ver como administrador ativo e todo poderoso, que a toda hora interfere e age com poder. Para elas, religião se torna um sistema rígido e ameaçador, através do qual este Deus faz conhecer a sua vontade e controla a nossa obediência às suas leis. E, finalmente, há pessoas que simplesmente hesitam e confessam que não sabem. Estas pessoas, em geral, conhecem as atitudes acima mencionadas e não as compartilham mais.

A sua crença num Deus mágico, que interfere no mundo, se perdeu frente às descobertas científicas, através das quais se explica este mundo cada vez melhor. A sua confiança num Deus todo poderoso, que com bondade dirige o planeta, quebrou diante das desgraças, das dores e das crueldades deste mundo. E a imagem de um Deus legislador e ameaçador, elas a desmascararam como resultado de uma ideologia religiosa interessada no seu próprio poder.

Época pós-cristão

Qual é o papel de sua religião, hoje e nas décadas futuras, onde cada vez mais entraremos numa sociedade marcada por tecnologia, por competição e por lutas pela sobrevivência num mundo?

Voltei agora de uma viagem à Europa, e ainda fico chocado com a acentuada indiferença religiosa das grandes massas. Fico chocado pela experiência de igrejas vazias e de pessoas, cujo único objetivo é a competição profissional e a ascensão social. Tinha a impressão de que, para a maioria das pessoas, a concepção do mundo se resume na busca de bem-estar e a eliminação de seu concorrente profissional ou comercial.

A questão religiosa cristã não se põe mais, e muitos me falaram claramente do cristianismo como algo superado e ultrapassado. "Entramos numa época pós-cristã", diziam. Se essa atitude se restringisse à Europa, poderíamos, apesar de tudo, ficar sossegados. Poderíamos explicar o fenômeno como algo estranho a nós, algo típico do mundo secularizado e racionalizado. Só que a situação não é tão simples assim. Aquilo que nos países da Europa se mostra de maneira evidente no dia-a-dia, também em nossa realidade latino-americana e brasileira começa a se manifestar.


De maneira menos percebida, porque o número dos fiéis é tão grande que os nossos templos permanecem cheios. Mas também em nosso ambiente urbano, constatamos uma emigração silenciosa da Igreja. Também em nosso país, há cada vez mais pessoas que, no fundo, não acreditam mais na maneira como a religião tradicional lhes foi apresentada. Há muitas outras pessoas que vivem a religião como folclore ou reminiscência do passado, como manifestação de culto de um Deus, compreendido como rei e imperador, e isso num mundo que superou tais modelos hierárquicos.

Como resultado, constatamos que também para muitos dos nossos freqüentadores de missas, a verdadeira essência daquilo que é a religião cristã se perdeu. À medida que a consciência das massas se tornar mais crítica, também para muitas delas a religião cristã perderá cada vez mais sua força e sua atratividade. Estaríamos no mesmo caminho que, na Europa, já esvaziou as igrejas. Mas, é exatamente isso que não queremos. Para que não aconteça também ao nosso povo, em vinte anos, aquilo que na Europa já aconteceu, devemos, hoje e agora, começar a agir.

Devemos detectar os problemas e mudar as situações erradas. Onde, porém, estão os problemas? Quais são as causas desse esvaziamento silencioso? Penso que uma das grandes causas é o fato de que, numa história de séculos, a própria religião cristã se afastou muito daquilo que o seu fundador, Jesus Cristo, originalmente quis. Ela se tornou um sistema dogmático e perdeu de vista o seu centro: o ser humano sofrido e esmagado, pelo qual Deus se interessa. Muitos que, em alta voz, se declaram cristãos e cristãs, no fundo, nem sabem mais da intenção primária de Jesus.

À medida, porém, que esquecemos essa intenção, perdemos de vista aquilo que faz da religião cristã uma religião específica, diferente. Ela, então, se torna sistema religioso como tantos outros, com leis e regras, punições e sanções e, conseqüentemente, não há razão para ficar nela. Até fica compreensível que as pessoas busquem respostas que acham mais alegres, mais bonitas, mais felizes. Para evitar uma tal atitude, devemos voltar às nossas origens. Devemos redescobrir aquilo que faz de nossa religião algo especial, da qual vale a pena participar de maneira ativa.

Fazendo isso, não encontraremos celebrações pomposas, um sistema rígido, punições severas contra quem não segue a lei. Em vez de tudo isso, encontramos a convicção de um homem simples e humilde de que Deus não é assim como o sistema religioso estabelecido na sua época o tinha proclamado. Encontramos a certeza absoluta de um carpinteiro, Jesus de Nazaré, no qual reconhecemos o Filho de Deus, que esse Deus não é um Deus que exclui os fracos e pecadores, mas um Deus que tem compaixão deles. Encontramos a mensagem de um Deus solidário com as pessoas que sofrem, que choram, que estão doentes, excluídas, rejeitadas e esmagadas pelos sistemas sociais e religiosos, políticos e econômicos, em vigor.

O Deus de Jesus

No homem de Nazaré, encontramos a absoluta convicção de que Deus corre atrás daqueles que foram excluídos pelo sistema, marginalizados e perdidos aos olhos dos incluídos. Os perdidos e desprezados, Deus não os despreza. Deus os recupera. Deus corre atrás deles, para que possam perder o seu medo, a sua agressividade e o seu ódio, e recuperar a confiança.

Jesus, num mundo de controles permanentes, apresentou um Deus diferente. Um Deus que compreende e que não rejeita aquele que caiu, mas o recupera. Jesus acabou com o medo das pessoas frente a Deus.

Em vez de um legislador, ele apresentou um amigo e, em vez de um Senhor, mostrou um irmão, junto ao qual, o nosso coração ansioso e perdido, pode achar amparo. Eis a grande mensagem de Jesus. E, por causa dessa mensagem, os marginalizados de todos os sistemas começaram a recuperar a sua esperança. Por causa da convicção de Jesus, de que Deus é assim como ele nos apresenta no sermão da montanha, eles e elas, que não tinham mais espaço num mundo administrado e determinado pelos poderes políticos, econômicos e religiosos, começaram a levantar a cabeça.

Se Deus é assim como Jesus diz, então, de novo, é possível viver neste mundo de desgraças. Se Deus é assim como Jesus diz, é possível não só viver neste mundo, mas é possível, também, começar a transformar este mundo. E, à medida que agimos assim, aquele Deus de que Jesus fala se torna evidente neste mundo, se torna visível, se torna tocável, porque pode ser experimentado no agir concreto daqueles que nele crêem. Eis o segredo da mensagem de Jesus.

E eis a tragédia de uma religião que, no decorrer de séculos, foi se esquecendo dessa verdade e que em vez de transmiti-la, se retirou num sistema de códigos, leis, de sanções e perseguições, excluindo em nome daquele que, nas palavras de Jesus, foi apresentado como contrário a toda exclusão. É, talvez, a grande oportunidade, para a Igreja e os cristãos da América Latina, de redescobrir e transmitir de novo essa verdade fundamental, em cima da qual começou a nossa religião. Fazendo isso e propagando de novo a verdade de Jesus sobre Deus, esta América Latina tem a grande chance de tornar-se a nova força missionária, num mundo que está cheio de anseios e de necessidades, para redescobrir o Deus de Jesus.

RENOLD J. BLANK, Doutor em Teologia e em Filosofia, é professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.

Teologia (Escatologia)

Uma indagação inquietante para muitos



 Revista "MUNDO e MISSÃO"

Rencarnamos ou Ressuscitamos?


 Renold J. Blank


convicção comum na maioria das religiões que, depois da morte, algo da pessoa humana, um espírito, uma alma ou algum outro princípio, continuará vivendo. Em muitas culturas defende-se, além disso, a idéia de que esse âmago invisível precisaria ainda passar por algum processo de purificação ou de aperfeiçoamento.

Nos escritos sagrados do hinduísmo, encontramos desde o século 6 a.C. a teoria de que tal aperfeiçoamento aconteceria através de, assim chamadas, reencarnações. As pessoas, depois da morte, teriam que voltar, em outro corpo e numa outra época, para viver outras vidas terrenas. Assim, pagariam pelas faltas cometidas em vidas anteriores ou receberiam a devida recompensa por suas boas obras.

A existência apresenta-se, a partir dessa visão, como roda sem fim de novas vivências, regidas por uma lei cósmica chamada "karma". O budismo adota a mesma crença. No contexto da cultura greco-romana, ela foi desenvolvida, desde Pitágoras e Platão, sob o nome de "metempsicose", de migração da alma de um corpo para o outro. Na época do Império Romano, as elites não-cristãs aderiram em grande parte à mesma crença, sobretudo a partir do movimento intelectual do neoplatonismo, do séc. 3 d.C. E até no judaísmo tardio do século 9 e 10, encontramos grupos que acreditavam na reencarnação.

Em meados do séc. 19, Alain Kardec formula, na França, uma síntese de várias dessas crenças, interligando-as com outras idéias sobre possibilidades de entrar em contato com espíritos de mortos. A sua concepção espalhou-se em pouco tempo sob o nome de espiritismo kardecista.Esse espiritismo, com o seu misticismo científico, tornou-se a grande base para todos aqueles que quiseram manter a idéia de uma sobrevivência depois da morte, sem por isso adotar a explicação, aparentemente mais mística do que científica, das religiões cristãs. A reencarnação parecia responder, ao mesmo tempo, aos anseios de seus corações e às exigências rigorosas da lógica intelectual.

As explicações de seus defensores pareciam lógicas e as supostas provas, apresentadas numa linguagem que soava muito científica, convenceram e ainda convencem até muitos cristãos. Isso, sobretudo, quando esses cristãos, nem de longe, sabem daquilo que, em nosso último artigo, foi chamado de "prova sociológica da ressurreição" Assim se espalhou a crença na reencarnação e até muitos cristãos esqueceram-se da alternativa chocante e inovadora, com a qual a sua própria religião responde à indagação sobre o destino do homem depois da morte: a ressurreição. Essa idéia revolucionária de que o homem, depois da morte, entraria numa forma de existência totalmente outra, nova, em dimensões que nem o intelecto mais imaginativo poderia imaginar, parecia ter perdido muito de seu poder de atração. Por causa disso, vale a pena lembrar de novo a sua gênese e a sua tese absolutamente deslumbrante.

Em oposição total a todos os argumentos lógicos e bem formulados dos adeptos da reencarnação, a idéia de que o último destino do ser humano iria além de uma repetição limitada ou ilimitada de sempre novas vivências, formou-se como crença ardente e viva de um povo insignificante aos olhos de todos os poderosos: Israel.

Nascida a partir de vivências históricas, dentro das quais o povo tinha experimentado a presença de um Deus totalmente diferente de todos os outros deuses da época, surgiu uma nova convicção: este Deus, que era tão diferente de todos os outros, também diante da morte de uma pessoa humana agiria de maneira diferente. "Nosso Deus é um deus da vida"! esta era a convicção central e, sendo ele assim, não deixará o ser humano desaparecer na morte.

Essa fé mantinha-se e expandiu-se durante séculos como a grande alternativa, contra todas as expectativas de todas as outras religiões e filosofias. "Deus é mais forte que toda morte", e como se mantém fiel à pessoa humana, ele a ressuscitará, de tal maneira que nunca mais ela tenha que experimentar a morte.

Não obstante todas as experiências traumáticas e catastróficas pelas quais Israel passou, essa sua concepção de esperança além da morte, já no século 4 a.C., alcança uma forma bem explícita, formulada, entre outros, no grande texto de Isaías, cap. 26, 19: "Teus mortos reviverão, os cadáveres ressurgirão! Despertai e alegrai-vos, vós que habitais o pó".

Não se fala de uma alma, nem de um espírito, que ressurgirá ou que por si seria imortal ou eterno. Exprime-se a convicção de que a pessoa inteira, na sua morte, será resgatada pelo agir de Deus. É ele que age, ressuscitando o ser humano que morreu, para que nunca mais morra. Nesses termos, ficava a convicção de uma fé cheia de esperança e que permaneceu, no nível de fé, por mais de 400 anos, até que foi confirmado historicamente pelo chocante evento que conhecemos pelo nome de "ressurreição de Jesus".

Sobre a historicidade de tal evento e seu significado, falamos em nosso último artigo. A partir dessa ressurreição, aquilo que antes tinha sido fé, alcançou uma base empírica, científica e histórica. Um morto tinha voltado à vida, porque "Deus o tinha ressuscitado". Assim formulam as testemunhas daquela época e, por seu testemunho, quase todos tinham que morrer nas perseguições. Mas nem por isso mudaram.

Deus ressuscitou Jesus e, ressuscitando este morto, confirmou a fé dos séculos passados. Ele, de fato, é um Deus capaz de ressuscitar mortos. Ele não só é capaz, mas ele o faz. Paulo, o brilhante primeiro intelectual entre os seguidores de Jesus, formula de maneira bem clara: "Deus, que ressuscitou Jesus, ressuscitará também a nós pelo seu poder".

Esse primeiro ressuscitado, Jesus, ao qual Paulo se refere, em nada era compreendido como sendo um reencarnado. Um reencarnado, conforme toda a teoria da reencarnação, se tivesse aparecido em outra época, em outra forma, dentro de um contexto histórico diferente.

Jesus, porém, não era diferente. Era ele mesmo e se lembrava completamente de tudo aquilo que tinha dito e feito antes de sua morte - o que um reencarnado nunca consegue. Jesus foi ressuscitado e não reencarnou, disso todas as testemunhas não tinham a mínima dúvida.

A partir dessa experiência, todo pensamento sobre reencarnação parecia simplesmente ridículo, superado e sem interesse nenhum. Por que pensar em repetir quantas vivências no contexto problemático deste mundo, se Deus demonstrou, em Jesus, de maneira tocável e visível, uma outra alternativa? Alternativa melhor e digna de um Deus, do qual se diz que ele quer a vida e que é a vida.

Deus ressuscita o homem e, uma vez ressuscitado por Deus, esse homem nunca mais morre. Deus não ressuscita só uma parte espiritual do homem, uma alma espiritual, mas a pessoa humana inteira, global e completa. E ele o faz, porque ama esses seres humanos.

Ele os ama de tal maneira que não quer esperar uma infinidade de sempre novas reencarnações, através das quais eles se purificariam progressivamente. Uma única vida basta e, depois dela, Deus ressuscita o homem, para que seja amparado no amor e na plenitude de vida dele. E, hesitando e balbuciando, tenho a coragem de dizer: para que Deus seja amparado no amor desse ser humano, que tanto ama e por cujo amor tudo faz.

É essa a grande convicção de esperança que, a partir de Jesus, começou a conquistar o mundo e que hoje, de novo, devemos recuperar.



RENOLD J. BLANK, Doutor em Teologia e em Filosofia, é professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.

Teologia (Escatologia)


  Será que haverá vida após a vida?

Revista "MUNDO e MISSÃO"



Renold J. Blank


De onde, cristãos e espíritas tiram a certeza de que a sua vida realmente prosseguirá depois desta vida? "Temos que ter fé", dizem os cristãos. "Os espíritos nos informaram", dizem os espíritas, proclamando que o fato da aparição de espíritos é uma prova clara de que a vida depois da morte continua.

Só que tais pretensas aparições estão sendo questionadas, hoje, de muitos lados. Psicologia e parapsicologia mostram que a absoluta maioria das assim chamadas aparições de espíritos pode ser explicada, recorrendo a capacidades inconscientes do ser humano. Conteúdos e imagens da pessoa humana estão sendo projetados para fora e materializados, de tal maneira que todas aquelas materializações, aparições e fenômenos, aparentemente produzidos por espíritos, revelam-se, na realidade e diante do olho crítico da ciência, como produtos dos vivos. São eles - e não os espíritos de mortos - que produzem tais fenômenos. De possíveis fraudes e truques nem vamos falar.

E assim estamos de novo diante de nossas dúvidas. A aparente prova de uma sobrevivência após a morte, apresentada pelo espiritismo, revela-se como hipótese cada vez menos corroborada pelos fatos científicos.

Será que com isso devemos simplesmente permanecer no nível de "ter fé", como muitos cristãos dizem? Ter fé é uma atitude profunda e maravilhosa, mas ter fé não conta no mundo da ciência. A ciência quer fatos mensuráveis, observáveis e comprováveis.

Será que existem tais fatos no que diz respeito à questão da existência de uma vida depois da morte? As pressupostas provas do espiritismo desfazem-se e a maioria dos cristãos, de antemão, recorrem ao nível do acreditar, porque a fé não precisa de provas. Mas, são exatamente esses cristãos que, na realidade, dispõem de uma base empírica indiscutível para a sua fé. Eles têm na mão uma prova que resiste a qualquer questionamento científico. Esta prova, que chamo "prova sociológica", consiste no fato de hoje falarmos ainda de Jesus Cristo.

Não só se fala dele, mas um bilhão e meio de pessoas depositam nele toda a sua confiança e toda a sua esperança. Elas fazem isso porque dizem que este Jesus, depois de morto, teria voltado à vida. Sua ressurreição confirmaria, assim, que há vida depois da morte, respondendo exatamente à nossa indagação inicial. É este o núcleo de fé, no qual acreditam todos aqueles que se chamam cristãos.

Mas, a partir de um enfoque científico-crítico, devemos também aqui voltar a questionar: será que Jesus voltou mesmo? Será que todas as narrações sobre a sua ressurreição não são invenção de seus seguidores, que quiseram continuar com suas idéias?

Essa objeção ficaria impossível de ser refutada, caso este Jesus tivesse morrido de uma morte qualquer, caso, por exemplo, tivesse sido decapitado ou liquidado de alguma outra maneira. Mas, a história dele não terminou assim: Jesus foi crucificado e este fato tem um significado muito especial. Isso, porque, conforme a concepção da época de Jesus, a cruz em nada significava um sinal de honra ou de glória, assim como é hoje no mundo cristão. Ser crucificado, na época de Jesus, era a maior vergonha imaginável. Ser crucificado significava o mais claro sinal de um fracasso total.

Ser crucificado, implicava ser rejeitado e negado pelo próprio Deus, conforme o texto chocante de Dt 21,23, onde podemos ler o seguinte: "Maldito por Deus, quem pende na cruz".

Esse Jesus pendia na cruz e, conseqüentemente, era maldito pelo próprio Deus. De um maldito por Deus, porém, nunca mais se pode falar. Era esta a concepção social e religiosa da época. E como conseqüência dessa concepção, um crucificado deixava de ter existido. Um crucificado não existia mais na memória da sociedade e nunca tinha existido. De um crucificado, simplesmente, não se podia mais falar e muito menos daquilo que tinha dito e feito.

Assim era a atitude da época também frente ao Jesus crucificado. A sua morte era uma vergonha e o maior sinal imaginável de fracasso. Esta também era a opinião de seus seguidores e, por causa disso, todos foram embora. Mesmo através dos muitos filtros, pelos quais a tradição passava até ser escrita nos Evangelhos, ainda transparece a decepção insondável de seus seguidores. 

"Todos ficavam a distância" (Lc 23,49), porque todos, naquela hora, estavam convencidos de que tinham se enganado.

E fora do grupo dos seus discípulos, todos estavam certos de que esse Jesus teria sido um usurpador, um mentiroso talvez, mas, com certeza, não o Messias, porque um Messias não pode ser maldito por Deus.  

Assim, foram embora e sobre esse Crucificado caiu o veredicto que pairava sobre todo crucificado: dele não se falava mais.

Se a história de Jesus tivesse terminado com a cruz, também hoje, ninguém falaria dele, porque, naquela época, depois da cruz, era simplesmente impossível pronunciar o nome do crucificado. Só que hoje, nós falamos de Jesus. Não só falamos, mas ele se tornou a pessoa com a maior influência histórica de todos os tempos.

Como tal fato é possível, frente ao veredicto apresentado acima?

A única explicação possível para tal fenômeno é que, depois de sua morte na cruz, depois de seu óbvio fracasso aos olhos de todos, aconteceu algo tão grandioso, tão chocante, tão absolutamente novo, que até foi possível voltar a falar dele, "apesar" da cruz; apesar do veredicto bíblico e apesar da proscrição social e religiosa. Deve ter acontecido algo que era maior que tudo isso. Maior que toda a tradição de séculos, maior que todos os veredictos da época.

O que foi este acontecimento totalmente único?

Todas as testemunhas que, na época, voltaram a falar dele, apesar da cruz, são unânimes em confirmar que tal evento inimaginável realmente aconteceu. E todas as testemunhas declaram o fato de que esse Jesus, depois de sua morte, voltou vivo. Ele ressuscitou.

A ressurreição tornou-se a grande prova de que Jesus, contra todas as aparências da cruz, não tinha fracassado, de que ele era o Messias, de que Deus estava com ele e não com o Templo que o tinha crucificado. Se essa ressurreição não tivesse acontecido, nada disso poderia ter sido provado.

Assim, porém, voltou-se a falar dele, a sua mensagem continuou, apesar da cruz, porque ele ressuscitou da morte. Deus o ressuscitou, e de um ressuscitado era possível voltar a falar.

Esta ressurreição, além de todo o seu significado teológico, traz assim uma prova, empiricamente mensurável, de que, depois da morte, a vida continua. Porque esse Jesus estava morto mesmo, mas voltou da morte e viveu. Se, porém, podia voltar da morte, então a morte não significa a aniquilação da pessoa.

A vida vai além daquilo que chamamos morte. A prova disso é o fato de que Jesus voltou da morte, e a prova empírica que ele realmente voltou é o fato de hoje falarmos dele. Se ele não tivesse ressuscitado, nunca, naquela época, teria sido possível voltar a falar dele. É esta a prova sociológica da ressurreição de Jesus, que, por sua vez, se torna a prova de que, depois da morte, a vida continua ...



Renold J. Blank, Doutor em Teologia e em Filosofia, é professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.