sábado, 13 de agosto de 2011

O MILAGRE DA CURA DE PIERRE DE RUDER (Parte 3)

INUMERAS CONSTATAÇÕES.  O fato da cura de Pierre De Rudder foi verificado antes, durante e depois do milagre.
            Novas constatações, 18 e 19 anos depois da cura, foram realizadas pelo Dr.  Royer, de Lens-Saint-Rémy e pelos especialistas drs. Clement de Piquet, da Áustria, e Van Ysendyck, da Bélgica.
            "A MARCA". Rudder atendeu inclusive ao chamamento feito pelos médicos de Lourdes, agora Lourdes da França. Os drs. Vergez, Balencie e Dozous dirigiam os trabalhos do Bureau de Constations Médicales de Lourdes. E os numerosos médicos do Bureau descobriram e confirmaram "a marca" (ou 3 marcas), essa espécie de rubrica ou "griffe", freqüente em outros santuários e que em Lourdes nunca falta.
            1) Na época da cura de Pierre De Rudder não podia haver verificação por radiografia, que não existia então. Mas por iniciativa do pe. Callewaert, reitor do Seminário Maior de Bruges, 22 anos depois da cura, a radiografia foi realizada pelo Dr. Seligmann, professor do Ateneu real.
          Em qualquer restauração natural de fratura de ossos, o cálcio vai lentamente formando um calo ósseo, até juntar após muito tempo os fragmentos. No caso de Pierre De Rudder os fragmentos soldaram-se diretamente um ao outro, sem o calo ósseo característico.
          2) A perna esquerda ficou exatamente do mesmo tamanho que a direita, apesar de quatro centímetros de osso que o médico retirara quando do primeiro atendimento ao acidentado, apesar de outros sequestros que o médico retirou outras várias vezes, apesar da parte do osso que o acidente triturara e que ficou sem periósteo, apesar dos pedaços de osso que se perderam por supuração, apesar da grandíssima surpresa, da incrível "marca":
          3) Os ossos haviam soldado justapostos. Na extensão de um decímetro os ossos da tíbia e do perônio estavam justapostos no sentido antero-posterior. Os ossos superiores estavam na frente. Apesar disso a perna tinha exatamente o mesmo tamanho e a mesma verticalidade que a perna direita! Rudder absolutamente não mancava.
            E MAIS VERIFICAÇÕES. Aos 75 anos de idade, 23 anos após a cura milagrosa, Rudder morre de pneumonia. É enterrado no cemitério junto à Igreja. Colocam lá um grande crucifixo de ferro forjado com uma inscrição que alude ao grande milagre de que toda a cidade era testemunha.
            E continuaram as verificações: um ano após sua morte, exumaram o esqueleto e retiraram os ossos das duas pernas para submetê-los à mais exaustiva análise. O Dr. Hoestenberghe fez a necropsia. Verificaram que os ossos da tíbia e do perônio consolidaram-se justapostos e "estando desviados (...), sem ajustamento das suas partes fragmentadas, as substâncias lisas e sem faltas de substâncias ósseas. Verdadeiramente a Virgem de Oostakker havia posto sua assinatura ("a marca"!) sobre estes ossos". E necessariamente, pela análise, os ossos tiveram de se consolidar de modo instantâneo.
            Posteriormente, treze anos após a morte de Pierre de Rudder, o Dr. Léon Reverchon, professor na Faculdade de Medicina de Lille, com a colaboração do dr. Glorieux, de Bruges, sobre os ossos das pernas de Pierre de Rudder, que se conservam, até hoje, na Cúria do Bispado de Bruges, tira cinco filmes radiográficos, bem detalhados, que mostraram que a solidificação foi instantânea e perfeita, e com a mesma estrutura óssea que a da outra perna.
            Nova análise radiográfica em 1951, pelo prof., Dr. L. Elaut, confirmando plenamente as verificações anteriores.
         A Comissão Médica de Lille, reunindo mais de cem médicos sob a presidência do Dr. Duret, declara: "Com certeza, De Rudeer foi curado instantaneamente de uma fratura supurada; a reparação óssea, revelada pela autópsia, não pode ter sido feita por meios naturais".  

          
 Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

O MILAGRE DA CURA DE PIERRE DE RUDER (Parte 2)

DRAMÁTICA PEREGRINAÇÃO. Na véspera da peregrinação, a Sra. Marie Wittezaele, junto com o Sr. Edouard van Hooren e seu filho Jules, que voltavam do trabalho no campo, viram a perna supurante. Viram como balançava. Observaram as extremidades do osso quebrado separadas entre si uns três centímetros e aparecendo na chaga. Verificaram que a chaga era "do tamanho aproximado de um ovo de galinha" e cheia de pus. Sentiram o fedor. Viram como "a parte inferior da perna girava".
            No dia da peregrinação a Oostakker, 7 de abril, oito anos e dois meses após a fratura, o guarda-barreira Pierre Blomme acolhera Rudder na sua casa, para que descansasse um pouco do seu esgotamento. Porque da casa de Pierre à estação do trem tivera que caminhar duas horas, apoiado nas suas muletas e ajudado pela esposa, para percorrer somente dois quilômetros e meio. O Sr. Blomme viu o balançar da perna nua, sentiu o cheiro fétido das chagas purulentas e da gangrena, etc.
            Testemunhos do chefe da estação, Sr. De Cuyper, que também conhecia muito bem Pierre de Rudder. Testemunhos dos companheiros de viagem. Sentou-se no trem junto a Jean Duclos e sua mãe. Todos, mais uma vez, viram dona Colete, a esposa de Pierre De Rudder, ajudando-lhe a trocar as bandagens, e observaram a horrorosa situação da perna.
            Em Gand-Sud, Rudder tem de ir de carro puxado a cavalo. O carreteiro debochou do balançar da perna, mas o deboche torna-se um misto de indignação e compaixão quando vê o pus e o sangue escorrendo sobre a carruagem.
            POR FIM, EM OOSTAKKER. Há que caminhar um pouco, no terreno do Santuário. No caminho detém-se para descansar e reza fervorosamente perante o Crucificado no velho Calvário. Está esgotado. Sua mulher, Colete, oferece-lhe um pouco de água que acaba de pegar na fonte da gruta, para reanimá-lo e possibilitar-lhe dar mais uns poucos passos.
         E por fim na gruta. Pierre-Jacques De Rudder está agora diante da gruta de Na. Sra. de Lourdes em Oostaker-Lez-Gand. Reza. Quase chora. Confia muito filialmente na Mãe Celeste.
            E... - Pierre-Jacques De Rudder se levanta, caminha sem muletas entre os bancos dos peregrinos até o pé da imagem de Nossa Senhora, se ajoelha. Só então percebe que caminhara até lá, só então percebe o instantâneo desaparecimento da gangrena, da supuração... Instantânea recuperação dos ossos, da carne... E das forças. Pula, dança, corre cheio de alegria e agradecimento. A esposa cai quase desmaiada de emoção.
            IMEDIATA CONSTATAÇÃO MÉDICA. Em companhia da esposa e de várias testemunhas, Rudder vai ao vizinho castelo da marquesa Alph De Courbourne, dona da gruta, construída às expensas do seu pai. No castelo os médicos tocam, examinam... Médicos e particulares, todos constatam sob as duas cicatrizes limpas e delicadas  e testemunham o fato da cura de Pierre-Jacques  De Rudder.
            No dia seguinte e no outro e no outro... Todos os médicos que antes examinaram e trataram do doente agora vêem e tocam o fato da cura milagrosa.
            Em Jabbeke, na casa do Sr. Charles Rosseel, o dr. Affenaert examina a perna de Pierre De Rudder tanto mais meticulosamente quanto mais resiste a acreditar na cura daquela perna quebrada. Todo o conhecimento do médico é que "foi quebrada, porque encontrava a face interna da tíbia inteiramente lisa à altura da fratura" antes tão conhecida. Por fim o antigo livre-pensador tem de reconhecer: "Você está inteiramente curado. Sua perna há sido fortemente consolidada. Ela está como a de uma criança, e não como a de um homem cuja perna há estado quebrada. Os meios humanos eram impotentes a permitir-lhe caminhar; mas o que não podiam fazer os médicos, pôde Maria".
            Em toda a cidade, invencível curiosidade e emoção. O pároco, Pe. Slock, celebrou uma novena de Missas cantadas em ação de graças. A igreja ficou cheia naqueles nove dias. Contavam-se 500 participantes em várias oportunidades, numa população de 2.000 pessoas.
            "Após sua cura - diz a viscondessa de Bus - nós o conservamos quinze anos como trabalhador" rude e sólido, a quem era preciso mandar que moderasse sua atividade e total dedicação. E nos momentos de descanso, "o encontrávamos quase sempre rezando seu terço. Ele edificava a todos". Com a autorização da viscondesa de Bus, Rudder fez alegremente quase quatrocentos peregrinações a Oostakker, aproveitando os dias de folga, para agradecer sua cura a Deus e a Nossa Senhora.
          
 Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

O MILAGRE DA CURA DE PIERRE DE RUDER (Parte 1)

PIERRE-JACQUES DE RUDDER, de 44 anos, era de Jabbeke, na Flandres Ocidental (Bélgica). O sofrimento oprimia o pobre jardineiro. A morte levara a primeira esposa e filho, e do segundo matrimônio perdera sete dos nove filhos.

            O ACIDENTE. Um dia Rudder deteve-se a conversar com dois conhecidos, os irmãos Knockaert, que estavam derrubando árvores perto do castelo do visconde de Bus. Uma árvore que caíra em lugar errado atrapalhava o trabalho dos dois irmãos. Rudder pôs-se então a tirar galhos dessa arvore, enquanto os irmãos a empurravam com alavancas. Mas a árvore escorregou. Caiu sobre Rudder. De um decímetro abaixo do joelho até o peito do pé inclusive, a tíbia e perônio ficaram esmagados. Os ossos do terço superior da perna esquerda ficaram separados três centímetros dos correspondentes ossos dos dois terços inferiores.

            Consta o testemunho do médico de Oudenbourg, Dr. Affenaer, chamado pelo visconde de Bus, patrão de Pierre-Jacques. O médico imobilizou a perna e manteve o conjunto com uma bandagem amidoada.

           E AS IRREPARÁVEIS CONSEQÜÊNCIAS. Várias semanas depois, ao retirar o aparelho imobilizador, porque o ferido sofria exacerbadamente, não houvera nenhum progresso. Pelo contrário: os fragmentos de ossos, desprovidos do seu periósteo, estavam banhados em pus. Chaga com longa ulceração, purulenta e gangrenada. Chaga também no peito do pé. O médico foi radical: retirou cirurgicamente (seqüestro) fragmentos necrosados de osso. A perna balançava abaixo do joelho.

            Rudder ficou um ano na cama. Quando se levantou, só podia caminhar apoiando-se em duas muletas sem que de modo nenhum a perna doente tocasse no chão, pois a dor -como em outras muitas oportunidades - seria dilacerante.

            O empregador, visconde Albéric de Bus de Gisignies, leva o coxo aos melhores especialistas de Bruxelas, dentre eles ao famoso Dr. Thiriart, cirurgião do rei da Bélgica; ao Dr. Verriest, Presidente da Associação Médica de Bélgica; e a outros médicos...

         Não há possibilidade de recuperação, especialmente por falta de periósteo, do qual depende a formação do calo ósseo necessário. O balanceamento da perna danificava e infeccionava cada dia mais a chaga purulenta, facilitando a necrose dos ossos nos extremos dos ossos separados. Os médicos com muita dificuldade conseguiam circunscrever a gangrena às chagas da perna. O doente tinha de lavar suas feridas duas ou três vezes por dia.

         Foram passando os meses, os anos... Oito anos, agora só amputando a perna à altura do joelho havia alguma possibilidade de salvar-lhe a vida. Poucas possibilidades. A amputação naquela época e na situação da perna, o tratamento e a assepsia seriam muito difíceis... A amputação muito provavelmente só aceleraria a morte do miserável sofredor Pierre De Rudder.

O SANTUÁRIO DE OOSTAKKER, na Flandres Oriental, é manifestação da devoção secular da Bélgica à Imaculada, já antes da proclamação do Dogma (em 8 de dezembro de 1854). Depois Oostakker foi chamada "Lourdes em Flandres". Uma basílica com residência de jesuítas, encarregados do santuário e de atender às procissões e peregrinações.

         Todos os médicos, como também o visconde Albéric de Bus -morrera um ano antes da peregrinação - e seu filho visconde Christian De Bus, sempre desaconselharam e até ridicularizaram a pretensão de Rudder de participar de uma peregrinação à basílica de Na. Sra. de Lourdes em Oostakker para pedir a cura.

         Só uma encantadora jovem, prima do jovem castelão de quem viria a ser esposa, indiretamente animava Rudder com um compreensivo sorriso. Quando já viscondessa de Bus, chamou seu pobre ex-empregado. Queria, caridosa, ver o estado da perna. Escreve nas suas memórias: "Então ele tirou as faixas, todas impregnadas de pus e sangue. Insuportável odor se desprendia (...). As duas partes do osso quebrado traspassavam a pele e estavam separadas por uma chaga supurante".

            Comovida, a viscondessa de Bus convenceu seu marido a possibilitar a viagem, não porque esperasse a cura, senão para propiciar a tão sofredor doente um consolo espiritual. Assim ela mesma o fará constar depois na sua peregrinação ao Santuário de Lourdes, na França, quando os médicos deste famosíssimo santuário pesquisaram o caso.

           O que ocorrera? Antes dos médicos de Lourdes, o Pe. Alfred Deschamp, jesuíta e doutor em Medicina, recolhe inúmeros testemunhos no seu inquérito. Médicos e particulares.

          Médicos. Destaquemos as freqüentes observações do Dr. Van Hoestenberghe, que também teve de retirar vários seqüestros; o Dr. Verriest o examinou quatro vezes, sete anos após o acidente, poucos meses antes que Rudder fosse ao santuário de Oostakker. Uma semana antes da peregrinação, o Dr. Houtsaegher examinou o doente, e concretamente destacou as observações do balanço desordenado da perna, inclusive ficando o calcanhar para frente e os dedos para trás. Na véspera da viagem, o Dr. De Visch faz constar no seu relatório as chagas purulentas e fétidas, uma mais profunda abaixo do joelho e outra mais extensa no peito do pé, como também o movimento de torção e o balançar da perna em todas as direções, podendo dobrar-se sobre si mesma.

            Particulares. Destaquemos Jacques de Fraye, que constatou meticulosamente todas as afirmações a respeito, inclusive que Rudder, levantado com as mãos o joelho esquerdo, fazia balançar a perna em todas as direções, e também, expressamente, que levantando a perna com uma mão, com a outra imprimia-lhe um movimento de torção até os dedos ficarem para trás e o calcanhar para frente. Com esses movimentos, freqüentemente esguichava pus. 

          Enfim..., Jabbeke é uma vila onde todos se conhecem. Pierre-Jacques De Rudder, precisamente pela sua angustiante situação, era conhecidíssimo. Inspirava a compaixão de todos. Tudo público e notório, constatadíssimo.    ( continua...)



 Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Se Deus é Onipotente para que o inferno?



Respondendo os e-mails enviados pelos internautas, o Pe. Alex fala hoje sobre uma dúvida que muitas pessoas têm. Se Deus é onipotente, por que permite as pessoas irem para o inferno?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Intervenção Demoníaca: Dogma de Fé?


      Nem teológica e nem cientificamente se poderá jamais demonstrar validamente uma possessão, uma intervenção ou um "milagre" do demônio. Tudo o que na ordem natural tem-se atribuído ao demônio (possessões, íncubos ou súcubus, aparições do demônio, casas ou lugares "mal-assombrados", feitiços, doenças, etc) tem explicação completamente natural e não se encaixam de maneira nenhuma numa ação demoníaca. 

Dogma de Fé 

      Isto só indiretamente pertence à Parapsicologia. Mas a parapsicologia, para não ser manca, deve ter em conta outros ramos do saber, e concretamente, a Teologia. A existência (não a atuação) do demônio é tema exclusivamente teológico. A ciência não pode afirmar nem negar

      E a Sagrada Escritura, à luz e acompanhada pela Tradição judaico-cristã, assim como pelo Magistério Eclesiástico, constitui uma base suficientemente firme para que o judeu, o cristão e o católico possam acreditar na existência (não a atuação) dos demônios. 

      Mas não é lícito qualificar de herege a quem negue a existência dos demônios. Nem herege do judaísmo, nem herege do cristianismo e nem herege do catolicismo. 

      Objetam que Cristo, nos Evangelhos e a Bíblia em geral falam muitas vezes dos demônios. É de fato, esse, o principal argumento em que se fundamenta a Teologia; e sem esta base, perderia muitíssimo do seu valor, a Tradição da existência do demônio. 

      Mas será esta mesma a intenção de Cristo, afirmar a existência do demônio tal como a Tradição e o Magistério Eclesiástico o entendem? 

      Os judeus e protestantes deixam muita liberdade na interpretação. Para os católicos, a interpretação autêntica (isto é, autorizada) da Bíblia pertence à Tradição. 

      Ora, a Tradição para ser infalível (dogma) segundo os católicos, tem que ser clara, universal, entre todos os católicos (Igreja), constante e ininterrupta desde as origens do Cristianismo. 

      Por sua vez, como porta-vozes e intérpretes autênticos dessa Tradição, estão os Concílios e o Magistério da Hierarquia Eclesiástica. Mas nem tudo quanto afirmam os Concílios ou os pronunciamentos da Hierarquia da Igreja é infalível. Para que um Concílio seja infalível deve ser ecumênico (da Igreja Universal com o Papa); deve pretender definir com toda sua autoridade recebida de Cristo e diretamente aquela proposição. O mesmo se dá com a suprema autoridade eclesiástica da Igreja, o papa ("ex-cátedra").  


    "De Fide" não significa que seja também "De Fide Definita" ou Dogma da Igreja, ou Dogma de Fé, ou simplesmente Dogma.

    "Não há nenhum Dogma a respeito, nem sequer da existência do Diabo... ". Porque do que eu falo é só da atividade... (Fatos...).
 
     Isto suposto, o que eu sempre afirmei e afirmo é que não existe definição papal ex-cátedra ou de algum Concílio Ecumênico claramente pretendida e direta, a respeito da existência dos demônios (com respeito a possessões, intervenções, etc, certamente não há nenhum dogma). 

     No Concílio Ecumênico Lateranense IV, do ano 1215, citam-se os demônios dentro do texto de uma definição dogmática.Não há certeza nenhuma de que se pretenda dar alguma definição sobre a existência dos demônios. No texto Conciliar ("Os diabos foram criados por Deus bons por natureza; eles, porém, fizeram-se maus pelo pecado") é realmente muito mais provável que se pretendesse condenar a teoria de que Deus fosse responsável pela criação de seres maus por natureza, como alguns pretendiam acerca dos demônios: tudo o que Deus criou é bom; se alguém se torna mau é tão somente pelo uso indevido de sua liberdade.

     A "Sagrada Congregação para a Defesa da Fé" solicitou a um perito, e este publicou um artigo sobre "Fé Cristã e demonologia" no "L’Osservatore Romano". O texto é vivamente recomendado por esse jornal como base para reafirmar a doutrina do Magistério sobre o tema.

     Segundo o perito do Vaticano, o Lateranense IV define a existência da realidade demoníaca e a afirmação do seu poder... o conjunto do documento conciliar é de fé (definida)... Em razão da sua natureza e da sua forma, cada um destes pontos principais tem igualmente valor dogmático.

     Toda a argumentação que o perito apresenta de chegar a essa conclusão parece fraca. A questão em litígio era se Deus criara seres maus, definindo o Concílio contra os Albigenses que tudo foi criado bom. A definição dogmática do Lateranense IV não visava à atividade –nem sequer à existência dos demônios, que os albigenses não negavam. Dependeu –segundo outro texto do mesmo Concílio– do mau uso da liberdade que alguns seres se tenham feito maus. (Denzinger n. 300 e 428).

     Rahner e Vorgrimmler, no artigo "Possession" (K. Rahner, S.J. e H. Vorgrimmler, S.J., epígrafe "Possession" in Petit Dictionnaire de Théologie Catholique, Paris, 1970, p. 372) deduzem que a definição do Lateranense implicitamente faria da existência dos demônios uma verdade de fé definida. Rahner escreve: "Certamente atendo-nos às declarações conciliares... não podemos pôr em dúvida a existência de ... demônios. E portanto... (como conseqüência da definição) temos de sustentar que a existência de (...) demônios está afirmada na Sagrada Escritura de tal forma que não constitui uma mera hipótese... que nós poderíamos abandonar na atualidade".

     Estes argumentos não me parecem convincentes. Pressupõe-se a existência de demônios, mas não se define nem se julga sua atividade no mundo. Os mesmos autores afirmam que tal definição conciliar pressupõe a realidade dos demônios. Ao que entendo, dizer que uma idéia é simplesmente pressuposta é equivalente a admitir que ela não é objeto dessa definição.

     O perito do Vaticano não consegue apresentar no seu amplo artigo nenhum outro texto que seja claramente dogma, ou tradição universal, ou doutrina de fé católica, ou firme, a respeito do demônio...

     O texto do Lateranense IV é praticamente repetição do texto de um Concílio Provincial (os concílios provinciais não podem dar definições dogmáticas). Em Braga, no ano de 561, condenou-se a tese maniquéia e priscilianista de que Deus teria criado um princípio do mal.

     O caso é que o perito do Vaticano reconhece: "É verdade que, no curso dos séculos, a existência de Satã e dos demônios não tem sido jamais objeto de uma afirmação explícita do seu magistério", do Magistério da Igreja. (Perito da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé: "Fé Cristã a demonologia" in "L’Osservatore Romano" edição portuguesa 26-6-1975; La Documentation Catholique, 3-17/8/1975).

     Além do mais, o próprio Rahner escreve a respeito de Bíblia e Diabo (copio da pág. 298 do meu livro citado): a demonologia, "tal doutrina... vai penetrando lentamente de fora na religião autenticamente revelada". E é lentamente que nos últimos anos vai se compreendendo isto (Karl Rahner S.J., , C. Ernest e K. Smyth, Sacramentun Mundi (6 volumes), Vol. II, epígrafe "Diablo")

     E do campo protestante, o prestigioso Henry Angar Kelly: "Os temas bíblicos, referentes ao que se chamará depois demonologia, mostram grande variedade nos conceitos como nas fontes que os inspiraram... Tudo o que a Bíblia diz a este respeito mostra invariavelmente os traços de noções emprestadas de culturas estranhas ao judaísmo" (à Revelação). Constata-se o mesmo fenômeno na história do cristianismo. : ("The Devil, demonology and Witchcraft beliefs in Evil Spirits", Nova Iorque, A. Kelly, 1968; 2ª ed., 1974; págs. 32 s.) 

        Afirmar que com esse texto clara e diretamente se pretenda definir a existência do demônio, é no mínimo, discutível. 

      Portanto não é certo qualificar de herege a quem negar a existência dos demônios

      Grandes teólogos negaram a possibilidade da possessão demoníaca. E o exorcismo não é uma lei disciplinar universal da Igreja. A bula que o proclamou tem apenas um sentido de exortação e não o obriga dogmaticamente em termos de fé, nem sequer como ordem disciplinar universal. Ela foi publicada no tempo das bruxarias e das superstições, quando a ciência não tinha condições de interpretar fatos de fundo parapsicológico e os atribuia ao diabo. A possessão de uma pessoa pelo demônio é filosoficamente e psicológicamente impossível. É impossível que o corpo seja animado por outro espírito que não seja a alma. Mesmo o diabo existindo é heresia acreditar que ele possa fazer milagres. Todos os teólogos afirmam que o milagre é exclusivo de Deus: Não se pode deturpar Sua "assinatura". A Bíblia também afirma que ninguém pode ser tentado acima de suas forças. 

      Nunca vi uma pessoa emocionalmente equilibrada ficar possuída pelo "demônio". Só os histéricos, epilépticos e outros doentes acreditam estar possuídos. As mulheres parecem acreditar mais que os homens e a puberdade é a idade mais vulnerável a essas ilusões. Trata-se sempre de distúrbios psicofisiológicos. 

      É a ciência e não a Igreja que cabe dizer se um fato pertence ou não aos fenômenos naturais deste mundo.



Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

Enfermos e Possessos na Bíblia

      Jesus distingue entre enfermos e possessos? Como explicar as passagens Mt 10,8 "Curai os enfermos...., expulsai os demônios"; e Mc 16,17: "Em meu nome espulsarão os demônios...Imporão as mãos sobre os doentes e estes ficarão curados". 

      De fato, 8 vezes os evangelhos usam de modo dinstinto os termos "doentes" e "endemininhados". Mas, destes textos não se pode deduzir que a Bíblia pretendesse distinguir entre doentes e endemoninhados. Tal exegese não é válida. Quem fizer tal exegese, ao pé da letra, está adulterando a exegese, também ao pé da letra, bem mais documentada, do que os chamados endemoninhados que são simplesmente doentes. 

      Com efeito, em 54 oportunidades a Bíblia fala de endemoninhados e em regra emprega as palavras curar e sarar. 

      Curam-se os doentes e não os demônios
 
      Com igual ou com mais direito daqueles que tomam endeminhados ao pé da letra, podemos nós tomar os termos curar e sarar também ao pé da letra. 

     Nos textos que usam por separado os termos doentes e endemoninhados, trata-se evidentemente de estilo literário, pomposo, repetitivo, ponderativo, muito próprio não só dos orientais, mas, em geral, da linguagem precisa, matizada, ponderada, com todo o rigor científico. 

      Assim, por exemplo, mesmo nesses textos, percebe-se claramente o estilo reiterativo: em Mt 10,8 se diz " Curai os enfermos, ressussitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. Daí de graça o que de graça recebestes. Não leveis nem ouro nem prata, nem dinheiro em vossos cintos, nem alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem calçados, nem bordão". Igual estilo enumerativo, ponderativo, no outro texto citado, Mc 16,17. "Expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão as serpentes, e se beberem algum veneno, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados". Trata-se de acumular prodígios e não de estabelecer diferenças. 

      A futilidade da exegese que diz que a Bíblia pretende diferenciar doentes de endemoninhados, aparece ainda mais claro em outros textos paralelos. Assim, no próprio Evangelho de São Mateus (Mt 10,1) se lê: "Deu-lhes Jesus poder sobre os espíritos imundos para os expulsarem, e para curarem todas as doenças e todas as enfermidades".
    
      Acaso as doenças não são enfermidades? 

      Em outra passagem se diz que "Jesus curava doentes e limpava leprosos".
       
      Acaso os leprosos não são doentes? 

     E no Evangelho de São Lucas "Jesus curava a muitas de suas enfermidades e doenças e achaques e atormentados por espíritos maus e restituia a visão de muitos cegos." (Lc 7,21) 

      É claro que não se pretende diferenciar enfermidade ou doença ou achaque ou cegos, e portanto também não se pretende diferenciar  endemoninhados.
 
      Tudo isto não quer dizer que os hebreus atribuíssem todas as doenças aos demônios. É possível que só atribuíssem a ele alguns tipos de doenças mais "misteriosas", certos tipos de doenças que hoje chamamos psíquicas e especialmente as doenças que iam acompanhadas de fenômenos parapsicológicos que para eles eram completamente incompreensíveis. Daí que na enumeração fosse lógico separar doenças e endemoninhados, como se separam os leprosos de outros doentes comuns, e até as doenças dos achaques e enfermidades

      Mas certamente, não pretende a Bíblia dar, com essas distinções, doutrina religiosa. E não corresponde a Bíblia ensinar Medicina e Parapsicologia, ou expôr as causas dos fenômenos observáveis do nosso mundo.



Pe. Oscar G. Quevedo S.J.