O mundo assim como Deus quer
Revista "MUNDO e MISSÃO"
Renold J. Blank
 ual          a relação que Deus tem com este mundo? Toda prática          religiosa e todo
ual          a relação que Deus tem com este mundo? Toda prática          religiosa e todo culto e, no fundo, até toda doutrina teológica          se mede na resposta a essa indagação. Onde, neste mundo,          devemos situar Deus? Conforme a resposta que se dá a esta questão,          a religião se torna convincente ou ridícula, alienante ou          conscientizadora, caminho de fuga ou força transformadora.
Há pessoas que o situam no topo de uma pirâmide hierárquica          de poderes e, conseqüentemente, compreendem religião em termos          de sistema também hierarquizado, cujo primeiro objetivo é          a veneração desse Senhor supremo. Há outras que colocam          Deus para fora do mundo, aceitando-o no máximo como espectador          passivo de um processo que não mais depende dele. Para essas, religião          se aproxima de cultura popular e de manifestações culturais,          para embelezar as nossas festas.
Há outras que, pelo contrário, o querem ver como administrador          ativo e todo poderoso, que a toda hora interfere e age com poder. Para          elas, religião se torna um sistema rígido e ameaçador,          através do qual este Deus faz conhecer a sua vontade e controla          a nossa obediência às suas leis. E, finalmente, há          pessoas que simplesmente hesitam e confessam que não sabem. Estas          pessoas, em geral, conhecem as atitudes acima mencionadas e não          as compartilham mais.
A sua crença num Deus mágico, que interfere no mundo, se          perdeu frente às descobertas científicas, através          das quais se explica este mundo cada vez melhor. A sua confiança          num Deus todo poderoso, que com bondade dirige o planeta, quebrou diante          das desgraças, das dores e das crueldades deste mundo. E a imagem          de um Deus legislador e ameaçador, elas a desmascararam como resultado          de uma ideologia religiosa interessada no seu próprio poder.
Época pós-cristão
Época pós-cristão
 Qual é o papel de sua religião, hoje e nas décadas          futuras, onde cada vez mais entraremos numa sociedade marcada por tecnologia,          por competição e por lutas pela sobrevivência num          mundo?
Voltei agora de uma viagem à Europa, e ainda fico chocado com a acentuada indiferença religiosa das grandes massas. Fico chocado pela experiência de igrejas vazias e de pessoas, cujo único objetivo é a competição profissional e a ascensão social. Tinha a impressão de que, para a maioria das pessoas, a concepção do mundo se resume na busca de bem-estar e a eliminação de seu concorrente profissional ou comercial.
A questão religiosa cristã não se põe mais,          e muitos me falaram claramente do cristianismo como algo superado e ultrapassado.          "Entramos numa época pós-cristã", diziam.          Se essa atitude se restringisse à Europa, poderíamos, apesar          de tudo, ficar sossegados. Poderíamos explicar o fenômeno          como algo estranho a nós, algo típico do mundo secularizado          e racionalizado. Só que a situação não é          tão simples assim. Aquilo que nos países da Europa se mostra          de maneira evidente no dia-a-dia, também em nossa realidade latino-americana          e brasileira começa a se manifestar.
De maneira menos percebida, porque o número dos fiéis é          tão grande que os nossos templos permanecem cheios. Mas também          em nosso ambiente urbano, constatamos uma emigração silenciosa          da Igreja. Também em nosso país, há cada vez mais          pessoas que, no fundo, não acreditam mais na maneira como a religião          tradicional lhes foi apresentada. Há muitas outras pessoas que          vivem a religião como folclore ou reminiscência do passado,          como manifestação de culto de um Deus, compreendido como          rei e imperador, e isso num mundo que superou tais modelos hierárquicos.
Como resultado, constatamos que também para muitos dos nossos          freqüentadores de missas, a verdadeira essência daquilo que          é a religião cristã se perdeu. À medida que          a consciência das massas se tornar mais crítica, também          para muitas delas a religião cristã perderá cada          vez mais sua força e sua atratividade. Estaríamos no mesmo          caminho que, na Europa, já esvaziou as igrejas. Mas, é exatamente          isso que não queremos. Para que não aconteça também          ao nosso povo, em vinte anos, aquilo que na Europa já aconteceu,          devemos, hoje e agora, começar a agir.
Devemos detectar os problemas e mudar as situações erradas.          Onde, porém, estão os problemas? Quais são as causas          desse esvaziamento silencioso? Penso que uma das grandes causas é          o fato de que, numa história de séculos, a própria          religião cristã se afastou muito daquilo que o seu fundador,          Jesus Cristo, originalmente quis. Ela se tornou um sistema dogmático          e perdeu de vista o seu centro: o ser humano sofrido e esmagado, pelo          qual Deus se interessa. Muitos que, em alta voz, se declaram cristãos          e cristãs, no fundo, nem sabem mais da intenção primária          de Jesus.
À medida, porém, que esquecemos essa intenção,          perdemos de vista aquilo que faz da religião cristã uma          religião específica, diferente. Ela, então, se torna          sistema religioso como tantos outros, com leis e regras, punições          e sanções e, conseqüentemente, não há          razão para ficar nela. Até fica compreensível que          as pessoas busquem respostas que acham mais alegres, mais bonitas, mais          felizes. Para evitar uma tal atitude, devemos voltar às nossas          origens. Devemos redescobrir aquilo que faz de nossa religião algo          especial, da qual vale a pena participar de maneira ativa.
Fazendo isso, não encontraremos celebrações pomposas,          um sistema rígido, punições severas contra quem não          segue a lei. Em vez de tudo isso, encontramos a convicção          de um homem simples e humilde de que Deus não é assim como          o sistema religioso estabelecido na sua época o tinha proclamado.          Encontramos a certeza absoluta de um carpinteiro, Jesus de Nazaré,          no qual reconhecemos o Filho de Deus, que esse Deus não é          um Deus que exclui os fracos e pecadores, mas um Deus que tem compaixão          deles. Encontramos a mensagem de um Deus solidário com as pessoas          que sofrem, que choram, que estão doentes, excluídas, rejeitadas          e esmagadas pelos sistemas sociais e religiosos, políticos e econômicos,          em vigor.
O Deus de          Jesus
 No homem de Nazaré, encontramos a absoluta convicção          de que Deus corre atrás daqueles que foram excluídos pelo          sistema, marginalizados e perdidos aos olhos dos incluídos. Os          perdidos e desprezados, Deus não os despreza. Deus os recupera.          Deus corre atrás deles, para que possam perder o seu medo, a sua          agressividade e o seu ódio, e recuperar a confiança.
Jesus, num mundo de controles permanentes, apresentou um Deus diferente. Um Deus que compreende e que não rejeita aquele que caiu, mas o recupera. Jesus acabou com o medo das pessoas frente a Deus.
Em vez de um legislador, ele apresentou um amigo e, em vez de um Senhor,          mostrou um irmão, junto ao qual, o nosso coração          ansioso e perdido, pode achar amparo. Eis a grande mensagem de Jesus.          E, por causa dessa mensagem, os marginalizados de todos os sistemas começaram          a recuperar a sua esperança. Por causa da convicção          de Jesus, de que Deus é assim como ele nos apresenta no sermão          da montanha, eles e elas, que não tinham mais espaço num          mundo administrado e determinado pelos poderes políticos, econômicos          e religiosos, começaram a levantar a cabeça.
Se Deus é assim como Jesus diz, então, de novo, é          possível viver neste mundo de desgraças. Se Deus é          assim como Jesus diz, é possível não só viver          neste mundo, mas é possível, também, começar          a transformar este mundo. E, à medida que agimos assim, aquele          Deus de que Jesus fala se torna evidente neste mundo, se torna visível,          se torna tocável, porque pode ser experimentado no agir concreto          daqueles que nele crêem. Eis o segredo da mensagem de Jesus.
E eis a tragédia de uma religião que, no decorrer de séculos,          foi se esquecendo dessa verdade e que em vez de transmiti-la, se retirou          num sistema de códigos, leis, de sanções e perseguições,          excluindo em nome daquele que, nas palavras de Jesus, foi apresentado          como contrário a toda exclusão. É, talvez, a grande          oportunidade, para a Igreja e os cristãos da América Latina,          de redescobrir e transmitir de novo essa verdade fundamental, em cima          da qual começou a nossa religião. Fazendo isso e propagando          de novo a verdade de Jesus sobre Deus, esta América Latina tem          a grande chance de tornar-se a nova força missionária, num          mundo que está cheio de anseios e de necessidades, para redescobrir          o Deus de Jesus.
RENOLD J. BLANK, Doutor em Teologia e em Filosofia, é professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.
RENOLD J. BLANK, Doutor em Teologia e em Filosofia, é professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.
 
 
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