sexta-feira, 29 de julho de 2011

Intervenção Demoníaca: Dogma de Fé?


      Nem teológica e nem cientificamente se poderá jamais demonstrar validamente uma possessão, uma intervenção ou um "milagre" do demônio. Tudo o que na ordem natural tem-se atribuído ao demônio (possessões, íncubos ou súcubus, aparições do demônio, casas ou lugares "mal-assombrados", feitiços, doenças, etc) tem explicação completamente natural e não se encaixam de maneira nenhuma numa ação demoníaca. 

Dogma de Fé 

      Isto só indiretamente pertence à Parapsicologia. Mas a parapsicologia, para não ser manca, deve ter em conta outros ramos do saber, e concretamente, a Teologia. A existência (não a atuação) do demônio é tema exclusivamente teológico. A ciência não pode afirmar nem negar

      E a Sagrada Escritura, à luz e acompanhada pela Tradição judaico-cristã, assim como pelo Magistério Eclesiástico, constitui uma base suficientemente firme para que o judeu, o cristão e o católico possam acreditar na existência (não a atuação) dos demônios. 

      Mas não é lícito qualificar de herege a quem negue a existência dos demônios. Nem herege do judaísmo, nem herege do cristianismo e nem herege do catolicismo. 

      Objetam que Cristo, nos Evangelhos e a Bíblia em geral falam muitas vezes dos demônios. É de fato, esse, o principal argumento em que se fundamenta a Teologia; e sem esta base, perderia muitíssimo do seu valor, a Tradição da existência do demônio. 

      Mas será esta mesma a intenção de Cristo, afirmar a existência do demônio tal como a Tradição e o Magistério Eclesiástico o entendem? 

      Os judeus e protestantes deixam muita liberdade na interpretação. Para os católicos, a interpretação autêntica (isto é, autorizada) da Bíblia pertence à Tradição. 

      Ora, a Tradição para ser infalível (dogma) segundo os católicos, tem que ser clara, universal, entre todos os católicos (Igreja), constante e ininterrupta desde as origens do Cristianismo. 

      Por sua vez, como porta-vozes e intérpretes autênticos dessa Tradição, estão os Concílios e o Magistério da Hierarquia Eclesiástica. Mas nem tudo quanto afirmam os Concílios ou os pronunciamentos da Hierarquia da Igreja é infalível. Para que um Concílio seja infalível deve ser ecumênico (da Igreja Universal com o Papa); deve pretender definir com toda sua autoridade recebida de Cristo e diretamente aquela proposição. O mesmo se dá com a suprema autoridade eclesiástica da Igreja, o papa ("ex-cátedra").  


    "De Fide" não significa que seja também "De Fide Definita" ou Dogma da Igreja, ou Dogma de Fé, ou simplesmente Dogma.

    "Não há nenhum Dogma a respeito, nem sequer da existência do Diabo... ". Porque do que eu falo é só da atividade... (Fatos...).
 
     Isto suposto, o que eu sempre afirmei e afirmo é que não existe definição papal ex-cátedra ou de algum Concílio Ecumênico claramente pretendida e direta, a respeito da existência dos demônios (com respeito a possessões, intervenções, etc, certamente não há nenhum dogma). 

     No Concílio Ecumênico Lateranense IV, do ano 1215, citam-se os demônios dentro do texto de uma definição dogmática.Não há certeza nenhuma de que se pretenda dar alguma definição sobre a existência dos demônios. No texto Conciliar ("Os diabos foram criados por Deus bons por natureza; eles, porém, fizeram-se maus pelo pecado") é realmente muito mais provável que se pretendesse condenar a teoria de que Deus fosse responsável pela criação de seres maus por natureza, como alguns pretendiam acerca dos demônios: tudo o que Deus criou é bom; se alguém se torna mau é tão somente pelo uso indevido de sua liberdade.

     A "Sagrada Congregação para a Defesa da Fé" solicitou a um perito, e este publicou um artigo sobre "Fé Cristã e demonologia" no "L’Osservatore Romano". O texto é vivamente recomendado por esse jornal como base para reafirmar a doutrina do Magistério sobre o tema.

     Segundo o perito do Vaticano, o Lateranense IV define a existência da realidade demoníaca e a afirmação do seu poder... o conjunto do documento conciliar é de fé (definida)... Em razão da sua natureza e da sua forma, cada um destes pontos principais tem igualmente valor dogmático.

     Toda a argumentação que o perito apresenta de chegar a essa conclusão parece fraca. A questão em litígio era se Deus criara seres maus, definindo o Concílio contra os Albigenses que tudo foi criado bom. A definição dogmática do Lateranense IV não visava à atividade –nem sequer à existência dos demônios, que os albigenses não negavam. Dependeu –segundo outro texto do mesmo Concílio– do mau uso da liberdade que alguns seres se tenham feito maus. (Denzinger n. 300 e 428).

     Rahner e Vorgrimmler, no artigo "Possession" (K. Rahner, S.J. e H. Vorgrimmler, S.J., epígrafe "Possession" in Petit Dictionnaire de Théologie Catholique, Paris, 1970, p. 372) deduzem que a definição do Lateranense implicitamente faria da existência dos demônios uma verdade de fé definida. Rahner escreve: "Certamente atendo-nos às declarações conciliares... não podemos pôr em dúvida a existência de ... demônios. E portanto... (como conseqüência da definição) temos de sustentar que a existência de (...) demônios está afirmada na Sagrada Escritura de tal forma que não constitui uma mera hipótese... que nós poderíamos abandonar na atualidade".

     Estes argumentos não me parecem convincentes. Pressupõe-se a existência de demônios, mas não se define nem se julga sua atividade no mundo. Os mesmos autores afirmam que tal definição conciliar pressupõe a realidade dos demônios. Ao que entendo, dizer que uma idéia é simplesmente pressuposta é equivalente a admitir que ela não é objeto dessa definição.

     O perito do Vaticano não consegue apresentar no seu amplo artigo nenhum outro texto que seja claramente dogma, ou tradição universal, ou doutrina de fé católica, ou firme, a respeito do demônio...

     O texto do Lateranense IV é praticamente repetição do texto de um Concílio Provincial (os concílios provinciais não podem dar definições dogmáticas). Em Braga, no ano de 561, condenou-se a tese maniquéia e priscilianista de que Deus teria criado um princípio do mal.

     O caso é que o perito do Vaticano reconhece: "É verdade que, no curso dos séculos, a existência de Satã e dos demônios não tem sido jamais objeto de uma afirmação explícita do seu magistério", do Magistério da Igreja. (Perito da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé: "Fé Cristã a demonologia" in "L’Osservatore Romano" edição portuguesa 26-6-1975; La Documentation Catholique, 3-17/8/1975).

     Além do mais, o próprio Rahner escreve a respeito de Bíblia e Diabo (copio da pág. 298 do meu livro citado): a demonologia, "tal doutrina... vai penetrando lentamente de fora na religião autenticamente revelada". E é lentamente que nos últimos anos vai se compreendendo isto (Karl Rahner S.J., , C. Ernest e K. Smyth, Sacramentun Mundi (6 volumes), Vol. II, epígrafe "Diablo")

     E do campo protestante, o prestigioso Henry Angar Kelly: "Os temas bíblicos, referentes ao que se chamará depois demonologia, mostram grande variedade nos conceitos como nas fontes que os inspiraram... Tudo o que a Bíblia diz a este respeito mostra invariavelmente os traços de noções emprestadas de culturas estranhas ao judaísmo" (à Revelação). Constata-se o mesmo fenômeno na história do cristianismo. : ("The Devil, demonology and Witchcraft beliefs in Evil Spirits", Nova Iorque, A. Kelly, 1968; 2ª ed., 1974; págs. 32 s.) 

        Afirmar que com esse texto clara e diretamente se pretenda definir a existência do demônio, é no mínimo, discutível. 

      Portanto não é certo qualificar de herege a quem negar a existência dos demônios

      Grandes teólogos negaram a possibilidade da possessão demoníaca. E o exorcismo não é uma lei disciplinar universal da Igreja. A bula que o proclamou tem apenas um sentido de exortação e não o obriga dogmaticamente em termos de fé, nem sequer como ordem disciplinar universal. Ela foi publicada no tempo das bruxarias e das superstições, quando a ciência não tinha condições de interpretar fatos de fundo parapsicológico e os atribuia ao diabo. A possessão de uma pessoa pelo demônio é filosoficamente e psicológicamente impossível. É impossível que o corpo seja animado por outro espírito que não seja a alma. Mesmo o diabo existindo é heresia acreditar que ele possa fazer milagres. Todos os teólogos afirmam que o milagre é exclusivo de Deus: Não se pode deturpar Sua "assinatura". A Bíblia também afirma que ninguém pode ser tentado acima de suas forças. 

      Nunca vi uma pessoa emocionalmente equilibrada ficar possuída pelo "demônio". Só os histéricos, epilépticos e outros doentes acreditam estar possuídos. As mulheres parecem acreditar mais que os homens e a puberdade é a idade mais vulnerável a essas ilusões. Trata-se sempre de distúrbios psicofisiológicos. 

      É a ciência e não a Igreja que cabe dizer se um fato pertence ou não aos fenômenos naturais deste mundo.



Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

Enfermos e Possessos na Bíblia

      Jesus distingue entre enfermos e possessos? Como explicar as passagens Mt 10,8 "Curai os enfermos...., expulsai os demônios"; e Mc 16,17: "Em meu nome espulsarão os demônios...Imporão as mãos sobre os doentes e estes ficarão curados". 

      De fato, 8 vezes os evangelhos usam de modo dinstinto os termos "doentes" e "endemininhados". Mas, destes textos não se pode deduzir que a Bíblia pretendesse distinguir entre doentes e endemoninhados. Tal exegese não é válida. Quem fizer tal exegese, ao pé da letra, está adulterando a exegese, também ao pé da letra, bem mais documentada, do que os chamados endemoninhados que são simplesmente doentes. 

      Com efeito, em 54 oportunidades a Bíblia fala de endemoninhados e em regra emprega as palavras curar e sarar. 

      Curam-se os doentes e não os demônios
 
      Com igual ou com mais direito daqueles que tomam endeminhados ao pé da letra, podemos nós tomar os termos curar e sarar também ao pé da letra. 

     Nos textos que usam por separado os termos doentes e endemoninhados, trata-se evidentemente de estilo literário, pomposo, repetitivo, ponderativo, muito próprio não só dos orientais, mas, em geral, da linguagem precisa, matizada, ponderada, com todo o rigor científico. 

      Assim, por exemplo, mesmo nesses textos, percebe-se claramente o estilo reiterativo: em Mt 10,8 se diz " Curai os enfermos, ressussitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. Daí de graça o que de graça recebestes. Não leveis nem ouro nem prata, nem dinheiro em vossos cintos, nem alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem calçados, nem bordão". Igual estilo enumerativo, ponderativo, no outro texto citado, Mc 16,17. "Expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão as serpentes, e se beberem algum veneno, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados". Trata-se de acumular prodígios e não de estabelecer diferenças. 

      A futilidade da exegese que diz que a Bíblia pretende diferenciar doentes de endemoninhados, aparece ainda mais claro em outros textos paralelos. Assim, no próprio Evangelho de São Mateus (Mt 10,1) se lê: "Deu-lhes Jesus poder sobre os espíritos imundos para os expulsarem, e para curarem todas as doenças e todas as enfermidades".
    
      Acaso as doenças não são enfermidades? 

      Em outra passagem se diz que "Jesus curava doentes e limpava leprosos".
       
      Acaso os leprosos não são doentes? 

     E no Evangelho de São Lucas "Jesus curava a muitas de suas enfermidades e doenças e achaques e atormentados por espíritos maus e restituia a visão de muitos cegos." (Lc 7,21) 

      É claro que não se pretende diferenciar enfermidade ou doença ou achaque ou cegos, e portanto também não se pretende diferenciar  endemoninhados.
 
      Tudo isto não quer dizer que os hebreus atribuíssem todas as doenças aos demônios. É possível que só atribuíssem a ele alguns tipos de doenças mais "misteriosas", certos tipos de doenças que hoje chamamos psíquicas e especialmente as doenças que iam acompanhadas de fenômenos parapsicológicos que para eles eram completamente incompreensíveis. Daí que na enumeração fosse lógico separar doenças e endemoninhados, como se separam os leprosos de outros doentes comuns, e até as doenças dos achaques e enfermidades

      Mas certamente, não pretende a Bíblia dar, com essas distinções, doutrina religiosa. E não corresponde a Bíblia ensinar Medicina e Parapsicologia, ou expôr as causas dos fenômenos observáveis do nosso mundo.



Pe. Oscar G. Quevedo S.J.
 
 

O Endemoninhado de Gerasa

          O endemoninhado de Gerasa não se enquadra de maneira nenhuma numa interpretação demonológica e sim perfeitamente numa interpretação natural, até por senso comum. 

     A Bíblia diz que um homem fôra expulso da cidade por ser louco. Se tomarmos endemoninhado ao pé da letra, também haveria que tomar louco ao pé da letra. A Bíblia usa as duas expressões. Diríamos, a expressão popular (endemoninhado) e a expressão um tanto mais culta ou científica (louco). A Bíblia não entra em interpretações científicas. Nunca entrou durante todos os séculos em que foi escrita. Serviu-se inclusive de erros científicos e opiniões contraditórias da cultura da época, para, através desse instrumento de linguagem ensinar doutrina religiosa. A Bíblia é um livro de doutrina religiosa, não um livro de ciência.

      Aquele homem apresentava uma série de fenômenos misteriosos. Expulso da cidade refugiou-se num cemitério. Aproximava-se Jesus Cristo com os apóstolos e o "endemoninhado" começou a gritar: "Filho de Deus Altíssimo..." 

     Ora, se realmente fosse o demônio, o menos que se poderia esperar é que não se converta em apóstolo e faça prpopaganda da Divindade de Cristo. Isto não encaixa numa interpretação demonológica. 

      Mas perfeitamente numa interpretação natural: Aquela pessoa possuia manifestações parapsicológicas e adivinhou, ao menos naquela ocasião, o pensamento de Cristo e gritou: "Filho de Deus Altíssimo"... Hiperestesia Indireta do Pensamento (HIP) ou qualquer outra faculdade de adivinhação. Explicação lógica e sem a contradição de supor que se fosse o demônio faria propaganda da divindade de Cristo. 

     Depois pergunta Cristo ao "endemoninhado": - Qual é o seu nome? -E o "endemoninhado" responde: "Legião é o meu nome porque somos muitos". 

      Ora, discutiríamos se aquela pessoa poderia ter dentro do seu corpo um demônio. Discutiríamos por discutir, porque a possessão demoníaca ou espírita, etc é metafisicamente impossível. Um corpo está animado por um espírito, a alma e nenhum outro espírito pode animá-lo. Seria contraditório. Absurdo. Não há argumento nenhum para poder admitir que outro espírito diferente da própria alma anime a um corpo. E há muitos argumentos que provam a absoluta impossibilidade de tal fato. 

      Mas sem entrar nesta discussão de se poderia haver um espírito dentro do corpo do chamado "endemoninhado" de Gerasa, certamente é absurdo pensar que havia nele uma legião de demônios. Absolutamente absurdo, para ser entendido demonologicamente. 

      Mas muito compreensível na típica, conhecidíssima, e característica megalomania compensadora. Em outros casos, outra pessoa, para não ter um complexo de inferioridade, se defende personificando-se megalonicamente em Napoleão, Joana D'arc, a rainha Maria Antonieta e outras personalidades importantes. 

      Neste caso, o "endemoninhado", expulso da cidade, tendo que viver num cemitério, na sua loucura, se defende do seu sofrimento psicológico com a mania de grandeza compensadora de incorporar-se nele uma legião de demônios. Em questão de endemoninhado, ninguém ganha dele. Como diria o povo: "Ele é o tal". Estas pessoas que se defendem com megalomania, deveriam ser internadas, mas vivem felizes. Quem sofre é a família, ao passo que eles se sentem como sendo Napoleão, Júlio César, ou uma legião de demônios. 

      Os "demônios" entrariam em pânico ao perceber que poderiam ser expulsos do corpo do possesso. Começaram a dizer a Jesus: "Por que nos atormentas, que tem que ver conosco?..

      Ora, também isto não combina com uma interpretação demonológica. Não se encaixa com o senso comum supor que eles poderiam entrar em pânico vendo que iriam perder sua morada.

      Mas se explica perfeitamente pela mentalidade primitiva da época, que mesmo sabendo que os demônios eram puramente espíritos, os imaginavam com algo de corpo, mais ou menos tênue, e que precisariam de um corpo para habitar. 

      Depois levanta o "endemoninhado" os olhos e vê os porcos. Achando ele, na sua dramatização demonológica que estava possuído pelo demônio, pensou logicamente: se o demônio vai abandonar o seu corpo, precisa de outro corpo para morar, e por associação de idéias, pode entrar nos porcos. 

      Não vamos nos deter agora a explicar o chamado mau-olhado ou influxo sobre as plantas e animais pequenos. Mas ao menos como hipótese de trabalho. Entre a hipótese demonológica e a hipótese parapsicológica de mau-olhado, temos de escolher. Muitos leitores terão ouvido falar de alguma vez,alguma pessoa olha com admiração e secreta inveja uma planta, e no dia seguinte, a planta está murcha. Ou quando uma pessoa olha com inveja um passarinho, e no dia seguinte o passarinho está morto. É telergia, a nossa energia somática transformada e exteriorizada. Pode atuar sobre plantas e animais pequenos; e não atua sobre o homem e animais grandes. 

      Nas casas "Mal-assombradas", as pedras que se mexem ou voam, nunca batem a não ser na própria pessoa que as movimenta telergicamente. Mas émuito raro que o dotado de faculdades parapsicológicas pretenda se destruir a sí mesmo. Geralmente, quer "destruir" a outra pessoa, ou chamar atenção de outras pessoas. Daí que as pedras vão "assustar" a outras pessoas. O mais que se pode acontecer é que se sinta um pequeno toque por efeito da inércia, ou um vento do objeto ou telergia que passa. 

      O "endemoninhado" não pode influir sobre os porcos com a telergia, mas pode sobre um ou dois porcos. Dramatizou o inconsciente do "endemoninhado a "passagem dos "demônios" pela telergia para os porcos e isto bastou para assustar um ou dois porcos. 

     Assusta-se um porco ou dois e se assustam todos. Igual quando se assusta um boi e temos o estouro da boiada. Assusta-se um peixe, e assusta-se todo ocardume. Assusta-se uma pomba e, entram em pânico todas que lá estão... 

      Assustados os porcos, correndo em pânico, chegam onde termina o terreno e sem poder parar (mesmo que os primeiros porcos tentassem parar, os que vem por trás os empurram) e caem pelo barranco ao lago e se afogam. 

      Mas isso não se encaixa numa interpretação demonológica: se (hipoteticamente) fossem os demônios que estavam procurando uma "casa" (corpo), cuidariam dos porcos. Do contrário, perderiam sua "casa"... 

      Todo o conjunto se interpreta perfeitamente por forças naturais. Nenhum fenômeno há no caso que supere as forças naturais. E além do mais, resulta contraditório numa interpretação demonológica. Todos esses fatos são absolutamente naturais. Não há milagres do demônio. 

      Em tudo o que até aqui foi dito, estamos dando por suposto a interpretação literal ou histórica do fato fundamental, o que realmente aos olhos da ciência é inegável. 

      Alguns exegetas, sem dúvida, bons exegetas e teólogos, mas ao parecer deslumbrados com o aspecto teológico-doutrinário deste episódio (e de outros), desnorteados pela impossibilidade para eles de explicar os fatos de um ponto de vista científico e esquecendo ou não conhecendo plenamente a crítica histórica, pensam que o episódio poderia ser meramente simbólico. O caso inteiro não teria acontecido, ou ao menos o "incômodo" fato dos porcos, seria só para indicar a degradação a que leva o pecado. 

     Não cabe dúvida que em todos os fatos cientificamente históricos da vida de Jesus, há do ponto de vista religioso e doutrinal, um significado mais profundo: Jesus, como claramente expressou santo agostinho, era verbo (palavra) não só na sua doutrinação, mas também nos seus fatos. Mas isto não tira, não deve tirar, a ci~encia não permite que se tire, que o fundamental do caso foi um fato histórico. 

      E do fundamental do núcleo histórico do fato, não é lícito excluir o detalhe dos porcos, porque era ele precisamente o que mais impressionou as testemunhas, ou que motivou que os habitantes da região pedisse depois a Jesus que se retirasse. 

      A explicação que temos dada do ponto de vista parapsicológico, não é certamente a explicação tradicional. Mas, como nos séculos passados algum intérprete da Bíblia por sãbio ou santo que fosse, poderia dar uma explicação científica do fato? Houve algum teólogo ou exegetya, no passado que soubesse Parapsicologia? Além do mais, repetimos, a interpretação dos fatos como tais não pertence à doutrina religiosa, à teologia, à exegese, senão à ciência. Fique o teólogo na interpretação doutrinal e deixe a interpretação dos fatos ao cientista.

Pe. Oscar G. Quevedo S.J.


Possessão Demoníaca

          Na Igreja Católica, o exorcismo deve ser com licença expressa, e para cada caso, do Bispo da Diocese. Raríssimamente concedido. 
 
      No Ritual Romano se lê: "Os sinais de possessão demoníaca são... falar várias línguas desconhecidas...revelar coisas distantes ou ocultas... manifestar forças superiores à idade ou aos costumes." 
      Nenhum destes sinais hoje é válido. A Parapsicologia explica como perfeitamente naturais a xenoglossia, a adivinhação e sansonismo.
     Xenoglossia- Ilga K. de Trapene (Letônia) apesar de sofrer de deficiência mental, era às vezes capaz de falar em qualquer língua, contanto que alguém na sua presença pensasse, ou lesse mentalmente, as frases correspondentes. Era uma adivinhação na base de escapes sensoriais (HIP- Hiperestesia Indireta do Pensamento). E, na ausência de qualquer pessoa, ou no isolamento da emissora de rádio da Universidade de Riga, era incapaz de qualquer xenoglossia. Será que o demônio não pode entrar no isolamento de uma emissora de rádio??? 
      Sobre a adivinhação, além da citada HIP, temos também a percepção extra-sensorial e suas diversas divisões... A telepatia não tem nenhuma relação com o demônio. 
     Sansonismo- Os psiquiatras falam em hiperdinamismo. Um louco, sem camisa de força, numa crise de fúria, dificilmente poderá ser contido, mesmo por várias pessoas. Numa situação parapsicológica, o aproveitamento ao máximo das energias musculares e nervosas pode dar a impressão de "força superior à idade ou aos costumes". Na realidade é sõ isso: aproveitamento ao máximo, parapsicologicamente, da força muscular (sansonismo) e nada de sobre-humano; é sempre numa dimensão humana. Se alguma vez, uma menina tivesse levantado um automóvel com um dedo, ou derrubado uma parede com a mão, então poderíamos pensar em força sobre-humana, demoníaca... Mas isso nunca aconteceu. 
      Poderá parecer que eu esteja desrespeitando a autoridade do Ritual Romano no tema dos exorcismos. Toda lei disciplinar universal da Igreja, obriga os católicos ao assentimento interno. O católico poderá discordar, em casos evidentes, mas não publicamente. A Igreja é hierarquica e mesmo que no Ritual Romano não se trate de doutrina religosa propriamente dita, uma ordem disciplinar universal obriga ao respeito e acatamento inclusive nos conceitos teóricos pressupostos.


      Mas a parte do Ritual Romano que se refere aos exorcismos não é uma ordem disciplinar universal, como o são todas as outras partes do Ritual. Expressamente na bula em que se promulgavam os exorcismos, Gregório IX dizia: "Hortamur" , isto é, " Exortamos ", recomendamos, que o costume que se tinha na Alemanha se estenda a todo o mundo. É uma exortação, aliás antiquíssima, e antiquada, e não uma ordem disciplinar universal. 
      Aliás, a própria evolução dos exorcismos mostra que a Igreja neste tema científico e não propriamente religioso, e portanto fora do alcance direto da Igreja, foi acompanhando a evolução da Ciência. O termo " argumentos " (de possessão diabólica) foi substituído pelo de " sinais " . Mais adiante, a Igreja colocou um " talvez sejam" em vez de "são sinais". Depois acrescentou " não creia facilmente que se trate do demônio". Modernamente a Igreja proibiu administrar os exorcismos (a não ser com licença expressa do Bispo da Diocese). 
      E esta licença só será concedida a um exorcista oficialmente nomeado, que se supõe, saiba o que tem em mão. Aí, já depende muito da cultura do exorcista. O Padre José de Tonquedec, exorcista oficial durante trinta anos na Diocese de Paris, não encontrou nenhum caso de possessão demoníaca. Ele conhecia a Parapsicologia daquela época, anterior a 1930. E escreveu um livro intitulado " Possessão Demoníaca ou Doença ? ", que já por sí é todo um símbolo. 
      Posteriormente, a Igreja reduziu, e praticamente suprimiu os exorcismos do Ritual do batismo e das outras bençãos oficiais. Atualmente tirou inclusive a própria ordem menor de exorcista. Hoje ninguém se ordena exorcista, como anos atrás e durante tantos séculos se vinha fazendo. 
      O exorcismos, segundo as normas, deveria ser raríssima exceção. Mas na realidade, muitos padres, mais ou menos supersticiosos, dão exorcismos por conta própria. 
      Em conclusão: Não se pode invocar a autoridade do Ritual Romano para defender a possessão demoníaca, porque o próprio Ritual Romano e a prática da Igreja foram bem claramente acomodando-se à ciência na sua evolução. Fica portanto plenamente autorizado o cientista a continuar " forçando" a evolução da Igreja neste tema que só indireta e escassamente pertence à religião, e direta e principalmente à ciência. 
      É claro que a Igreja se acomodou e se acomoda à ciência no erro científico do passado e no progresso moderno. É claro também que não corresponde à Igreja adiantar-se à ciência: a parapsicologia é muito nova e pouco conhecida; seu influxo ainda é escasso entre a maioria dos cientistas. Seria prematuro a Igreja negar já a possessão demoníaca; deve se esperar que a Parapsicologia se imponha... 
      Algumas pessoas dizem em favor da possessão, que os exorcismos curam. " Por Poder Divino, se expulsam de fato os demônios".
      Na realidade, os exorcismos "curam" (por sugestão)  ou agravam... 
      Os endemoninhados de Ilfurt foram cada vez manifestando maiores fenômenos parapsicolõgicos à medida que se lhes iam aplicando os exorcismos. 
      As freiras de Loudun também foram complicando as suas manifestações e só se curaram quando depois de grandes tragédias (houve até suicídios), a igreja abandonou o caso. As freiras, deixadas em paz, esqueceram o tema da demonologia (e chegaram inclusive a uma vida muito piedosa e regular no seu convento. Por acaso, o demönio se converteu em apóstolo?). 
      Os irmãos Pausini manifestavam fenômenos após asistirem a uma sessão espírita. O vigário pensando tratar-se do demõnio; aplicou os exorcismos, e aí se complicou tudo: começarama manifestar cada vez maiores fenômenos. 
      No cemitério de São Medardo, sobre a túnica do Diácono Paris, muitas pessoas foram se contagiando com "possessões" e contínuos exorcismos até que o rei enviou o exército e acabou com a "possessão demoníaca". Os exorcismos estavam agravando cada vez mais a situação. Foia dispersão, evitando o contágio psíquico, que com o tempo "curou" o fenômeno. E um engraçadinho colocou um cartaz na porta do cemitério: "Por ordem do rei se proíbe a Deus fazer milagres neste local" 
      Muitos casos ao longo da história, foram se complicando, justamente porque as crianças (geralmente) eram tidas por endemoninhadas, e se assustavam ao pensar que tinham o demônio dentro de sí e o desequilíbrio foi cada vez maior, em consequencia também maior, a manifestação parapsicológica.. Até que, tranquilizadas por outros métodos, ou pelo passar do tempo , desapareceram, inclusive por sí sós, os fenômenos parapsicológicos. 
Tudo Sugestão 
      O exorcismo é uma arma de dois gumes. Pode "curar" por sugestão, como pode também complicar as coisas... E, quando "cura", sempre o exorcismo tem aspectos negativos, como toda "cura" (sugestão) por métodos de curandeiros... 
      E o endemoninhado pode "sarar" de outras muitas maneiras...
      Exemplo: Com água de santo Ignácio se acalmava um endemoninhado que acreditava tomar um remédio muito eficaz. Sarava pela fé no remédio. Também "curam" os "endemoninhados" com defumadores dos umbandistas, com o círculo mágico dos ocultistas, com os passes dos espíritas, com os gritos e danças dos feiticeiros africanos, etc.... Exemplo: Um endemoninhado procurou o Bispo. Como não estava, o criado com a estola, leu em latim um discurso de Cícero: e o exorcismo "ciceroniano" expulsou o "demônio",


      La Fontaine, com hipnotismo curou 23 endemoninhados, e entre eles, a famosa "endemoninhada" Vouillet, que estava sendo muitas vezes exorcizada e que apresentara levitações, xenoglossias, sansonismo, etc. 
      E não há endemoninhado em pleno ataque que resista a uma dose suficiente de calmante. Antigamente não existiam essas injeções. Será que o demônio também se acalma com uma injeção?? 
      Invocar o fato de que os exorcismos às vezes "curam", como argumento de que se trata de possessão demoníaca, resulta, pois, completamente absurdo. 
      Muita gente "cura" com os exorcismos?? Aqui teríamos que explicar todo o tema do curandeirismo...Sem negarmos a possibilidade da intervenção da divina providência, em resposta á oração e fé dos fiéis, duvidamos que nas circunstâncias concretas da administração dos exorcismos solenes e públicos, possa alguma vez atribuir-se a eles alguma cura. Talvez seria imputar a Deus excessiva condescendência com um erro manifesto e germe de superstições. Em todo o caso, a intervenção especial da Divina Providência, na cura dos "endemoninhados" não deve ser pressuposta, mas, demonstrada. E, nos casos reais, há sempre uma explicação natural, e portanto bem mais plausível. 
      O curandeirismo é sempre perigoso porque pode tirar os sintomas, deixando intacta a doença; fazer mera transferência da somatização de um órgão a outro, etc.. E, mesmo quando fosse eficaz o curandeiro (o exorcista) seria "crime", não só por confirmar os pacientes na sua superstição alienante, mas também, porque na realidade, o que se faz é aumentara influência do psiquismo, deixando o "curado" cada vez mais vítima ou mais propenso às novas doenças de origem psíquica, a novas "curas", e a novas doenças...

Mas a Bílblia...
      A Bíblia é um livro de Doutrina Religiosa. Não é um livro de psicologia, Medicina, Psiquiatria ou Parapsicologia, nem de qualquer outro ramo da ciência relacionado com os fenômenos ou fatos atribuídos tradicionalmente ao demônio. Nem de antropologia, Biologia, zoologia, evolução ou qualqueroutro ramo da ciência relacionado com a origem do homem. Nem sequer diretamente de história. 
      Dados que existem na Bíblia podem confirmar, talvez, esporadicamente, alguma verdade científica.


      Mas, simplesmente, não se deve procurar na Bíblia argumentos contra quaisquer dados científicos. Religião é uma coisa, ciência é outra. 
      A religião é de âmbito sobrenatural, a Ciência, de âmbito natural. Nem a religião pode afirmar ou negar nada no campo natural, nem a ciência pode afirmar ou negar nada no campo sobrenatural. 
      Um tema científico que, indiretamente se relacione com a religião, não autoriza ao exegeta ou teólogo a considerá-lo exclusivamente tema religioso. Não é o teólogo a máxima autoridade nesse tema, mas a mínima. 
      Religião e ciência, sim, em temas fronteiriços, podem e devem cooperar, mas dentro de seus campos específicos. 
      Nos temas que não lhe pertencem diretamente, o cientista e o teólogo devem dar primordial importância ao especialista a quem de direito lhe corresponde o tema.



Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

Provas históricas da existência de Cristo

O ateu pergunta:



"EXISTIU JESUS? PROVE-O!"



Em síntese: O cidadão italiano ateu Luigi Cascioli processou o padre Enrico Righi para que prove a existência de Jesus, pois o ateu julga que o sacerdote e, com ele, a Igreja estão abusando da credulidade popular, apregoando alguém que nunca existiu. Em resposta deve-se di­zer que a crítica mais rígida não duvida da existência de Jesus, mas põe em xeque a sua Divindade. A existência de Jesus é comprovada por ampla documentação, que começa no século I com a redação dos Evangelhos. Quem questiona a existência de Cristo, com mais razão questionará a de Alexandre Magno, Platão, Aristóteles...

*   *   *

Aos 5/3/06 o programa "Fantástico" da TV Globo transmitiu uma notícia sensacional, que vai, a seguir, reproduzida tal como veio pela internet.



A NOTÍCIA SENSACIONAL

JESUS CRISTO EXISTIU?

Em uma paisagem de fábula, entre colinas e ruínas criadas pelo vento, um duelo foi declarado. Luigi Cascioli, o acusador, foi seminarista na juventude. Hoje é ateu e vive cercado de livros anticlericais. Em uma igreja de Bagnoregio, na Itália, vive o acusado. Monsenhor Enrico Righi é um padre de paróquia e passa as tardes diante da cruz. Os dois estuda­ram no mesmo seminário nos tempos duros do pós-guerra. Com mais de 70 anos, Luigi e Enrico se encontraram de novo num tribunal. Luigi de­nunciou Enrico e toda a teoria cristã.

A denúncia foi apresentada na Procuradoria da República em se­tembro de 2002 e causou embaraço entre os moradores de Bagnoregio. O pároco da cidade foi acusado de enganar o povo por pregar que Jesus Cristo realmente existiu e que nasceu em Belém, de uma virgem de nome Maria.

"Eu denunciei a Igreja, na figura do padre, por abuso da credulida­de popular, da ignorância do povo", explica Luigi.

"Pareceu-me estranho. Nunca ninguém tinha me chamado de 'embrulhão'. Eu sou um entre 30 mil párocos na Itália que pregam a mes­ma coisa. No mundo, somos 500 mil párocos e cremos na mesma coisa. Pareceu-me absurdo, fiquei muito surpreso", conta padre Enrico.

Luigi diz que não discute teologia, mas história, e que não há pro­vas históricas da existência de Jesus, apenas relatos feitos por cristãos. O ex-seminarista sustenta que a vida de Jesus foi inventada, inspirada na história de outra pessoa.

"Tudo que se refere a Cristo foi tirado da vida de João de Gamala, que era filho de Judas Galileu e marido de Maria Madalena. Segundo cálculo dos cristólogos, João de Gamala foi crucificado entre os anos 37 d.C. é 42 d.C.", diz Luigi.

A fonte mais importante do acusador é um historiador da Antigüida­de, Flávio Josefo, que nas suas obras, de fato, narrou partes da vida de João de Gamala.

"Não há motivo para incriminar uma pessoa porque ela fala de outra. Eu falo bem de Jesus; ele fala mal. Estamos quites. É difícil fazer pesquisas de quem viveu há dois mil anos", diz padre Enrico.

O acusador também cita dois apóstolos de Cristo, Pedro e Tiago Menor, para reforçar a tese de que Jesus não existiu. "Nós temos o teste­munho escrito por Flávio Josefo de que Pedro e Tiago foram mortos no ano de 44 d.C, acusados de serem rebeldes revolucionários. Como a Igreja pode dizer que no ano 60 d. C. Pedro foi a Roma e se tornou o primeiro Papa?", questiona Luigi.

"Nunca pensei em indagar a existência de Deus. Eu acredito e pron­to. Se ele é ateu, eu não o denuncio por isso. Não entendo por que ele me denunciou só porque sou cristão", diz o acusado.

No ano passado, padre Enrico foi convocado pela Justiça e teve que contratar um advogado de defesa. Em janeiro aconteceu a primeira sessão do julgamento, no Palácio da Justiça de Viterbo, perto de Bagnoregio.

O caso ficou conhecido como o "Tribunal de Jesus" e mobilizou a Corte da cidade de Viterbo. Uma sala chegou a ficar repleta de curiosos que queriam acompanhar o julgamento de Cristo, mas o juiz arquivou o caso. "Agora vamos entrar com um recurso na Corte de Estrasburgo", anuncia Luigi.

Esperando ser chamado pela Corte Européia, Luigi prepara seu dossiê de muitas páginas contra a Igreja. Padre Enrico prefere o silêncio e o recolhimento na companhia do Cristo e dos santos.

"Se a sentença não for satisfatória, vou recorrer. E se não der cer­to, estou disposto a ir até o Tribunal Internacional de Haia", declarou Cascioli, na conversa com a BBC Brasil.



QUE DIZER?

No século XIX a crítica radical chegou a negar a própria existência de Jesus Cristo, que alguns quiseram identificar com uma figura mitoló­gica. Verdade é que, em nossos dias, tal hipótese quase não encontra seguidores. Como quer que seja, examinemos os documentos-fontes que atestam a realidade histórica de Jesus Cristo.



1. O ambiente em que viveu Jesus

À diferença do que se dá com outros chefes religiosos, o quadro em que Jesus viveu é eminentemente histórico. O Império Romano do século I é-nos bem conhecido. Grandes escritores, cujas obras chega­ram até nós, estavam em vida: Tito Lívio, Séneca, Virgílio...

Um grande número de personagens que acompanharam Jesus é iluminado por documentos não cristãos: César Augusto, Tibério César, Pôncio Pilatos, Herodes, Filipe, os sumos sacerdotes Anãs e Caifás, João Batista...

Além disto, os costumes e a cultura dos homens que cercavam Jesus, correspondem ao que fontes não cristãs referem a respeito da Palestina.

Jesus, portanto, é uma figura bem situada no tempo e no espaço, o que não ocorre com Orfeu, Osíris, Mitra...

Os observadores, porém, estranham que a respeito dele tenham tão pouco falado os cronistas romanos. O fato deixa de ser surpreenden­te desde que se pondere que Jesus viveu num rincão do Império Roma­no (a Palestina). Ademais a obra de Jesus pôde, a princípio, não parecer mais do que um motim dos muitos que agitavam a Palestina no século I: assim o livro dos Atos dos Apóstolos 5, 36s nos refere o levante de um certo Teudas e o de Judas Galileu, que foram frustrados. Somente quan­do o Cristianismo penetrou no Império Romano e começou a sacudir as populações e mudar os costumes é que Jesus e os cristãos chamaram a atenção do grande público.

Ademais é de notar o seguinte: os discípulos de Cristo, a princípio, eram chamados Nazarenos. Foi somente por volta de 48 / 49 em Antioquia da Síria, território pagão, que receberam o nome de cristãos (cf. At 11, 26). Ora nenhum dos adversários do Cristianismo nos primeiros séculos afir­mou que Jesus não existiu; nem mesmo Celso, filósofo eclético, que es­creveu veementemente contra os cristãos, acusando-os e zombeteando-os a vários títulos, ousou declarar: "O vosso Cristo nunca existiu!"

Apesar de quanto acaba de ser observado, encontramos testemu­nhos de escritores romanos relativos a Jesus.



2. Os testemunhos dos escritores romanos

São três os autores que, de algum modo, se referem a Cristo: Táci­to, Suetônio e Plínio o Jovem. Escreveram no intervalo que vai de 110 a 120.

2.1.   Tácito

Tácito foi um historiador que soube exercer espírito crítico e se mostrou honesto em seus relatos. Escreveu em seus Anais, por volta de 116, a respeito do incêndio de Roma ocorrido em 64:

"Um boato acabrunhador atribuía a Nero a ordem de pôr fogo à cidade. Então, para cortar o mal pela raiz, Nero imaginou culpados e en­tregou às torturas mais horríveis esses homens detestados pelas suas façanhas, que o povo apelidava de cristãos. Este nome vem-lhes de Cris­to, que, sob o reinado de Tibério, foi condenado ao suplício pelo procura­dor Pôncio Pilatos. Esta seita perniciosa, reprimida a princípio, expandiu-se de novo não somente na Judeia, onde tinha a sua origem, mas na própria cidade de Roma" (Anais XV 44).

Tácito conta, a seguir, as horríveis torturas infligidas aos cristãos e se mostra contrário a esse desumano procedimento. As referências pou­co elogiosas aos cristãos mostram que só os conhecia por ouvir dizer e compartilhava as opiniões do seu tempo. Essa hostilidade mesma torna mais valiosa a breve notícia que ele nos transmite a respeito de Cristo. Pergunta-se: de onde Tácito recebeu as informações concernentes a Cristo? - Pode-se crer que as tenha recebido de Plínio o Velho, cujas Histórias ele muito utiliza. Plínio o Antigo fez parte do estado-maior de Tito, que em 70 invadiu Jerusalém; pôde assim colher dados sobre Jesus na própria Palestina e os terá passado para o historiador Tácito.

2.2.   Suetônio

Poucos anos depois, em 120, Suetônio, também hábil historiador, escreveu a Vida dos Doze Césares, em que cita duas vezes os cristãos: uma primeira vez para confirmar que eram perseguidos desde os tempos de Nero. Na segunda vez, referindo-se ao reinado de Cláudio (41-54), diz que este "expulsou de Roma os judeus, que, sob o impulso de Cresto, se haviam tornado causa freqüente de tumultos" (Vita Claudii XXV). A infor­mação coincide com a de Atos 18, 2; a expulsão deve ter ocorrido por volta de 49/50. Chrestós é a forma grega equivalente a Christós, que traduz o hebraico Messias (= Ungido). Suetônio, mal informado, julgava que Cristo se achava em Roma, instigando as desordens.

É lamentável que Suetônio nada tenha dito sobre Jesus ao tratar de Tibério. Mas a notícia registrada basta para provar que, por volta de 50, isto é, menos de vinte anos após a Ascensão, havia cristãos em Roma que, por sua pregação, perturbavam a colônia judaica.

2.3.   Plínio o Jovem

Em 111 chegou à Bitínia e ao Ponto, províncias da Ásia Proconsular (Turquia de hoje), Plínio o Jovem, com o título de Legado Imperial. Era homem de letras; uma grande parte de seus escritos são cartas; como bom administrador, guardava uma cópia dos relatórios enviados ao Im­perador Trajano de modo que, apesar do segredo dos arquivos imperi­ais, temos conhecimento de boa parte dessa documentação.

Plínio era um homem sério e inteligente. Em 112 enviou a Trajano uma carta minuciosa a respeito dos cristãos. Recebera denúncias contra eles, prendera vários, submetera alguns a torturas, inclusive duas diaconisas; nada, porém, fora apurado que lesasse a boa ordem cívica. Ao contrário, podia dizer que os cristãos se difundiam cada vez mais e "estavam habituados a se reunirem dia determinado, antes do nascer do sol, e cantar um cântico a Cristo, que eles tinham como Deus" (Epísto­las, 1 X 96). Deste testemunho depreende-se que, desde os primeiros decênios do Cristianismo, o Senhor Jesus era louvado como Deus.

Plínio atestava que aquela boa gente cristã se comprometia, com juramento, a não roubar, não mentir, não cometer adultério - o que não podia ser passível de pena. Acontecia, porém, que os sacerdotes dos deuses se queixavam: os templos se esvaziavam; os vendedores de car­ne destinada aos sacrifícios deixavam de lucrar. Sendo assim, Plínio per­guntava ao Imperador o que devia fazer frente aos cristãos; havia de puni-los somente por serem cristãos? - Vê-se que Plínio era, de certo modo, simpático aos discípulos de Cristo.

2.4.   Um falso depoimento

Narram os historiadores uma história que eles atribuem a falsários piedosos. Um certo Trebomus Rufinus, senador e antigo ministro da ci­dade de Viena (Vindobona) na Gália, teria escrito a C. Plínio Cecílio Se­cundo em 109 ou 110 o seguinte:

"Afirma-se que Tibério propôs ao Senado admitir o Cristo na cate­goria dos deuses; mas, examinado cuidadosamente o assunto, chegou-se à convicção de ser perigoso admitir um culto cuja base era a igualda­de absoluta entre os homens. Além disto, parecia inconveniente endeusar um indivíduo punido com o suplício dos escravos, autorizado por um Pro­curador Romano".

Tal notícia foi transcrita da obra de Daniel-Rops: "Jesus no seu Tem­po". Porto 1953.



2.5.   Um relatório de Pilatos a Tibério?

S. Justino, mártir, escreveu em 150 aproximadamente a sua "Apo­logia do Cristianismo" dedicada ao Imperador Antonino Pio e a seu filho Marco Aurélio. Alude aos "Atos de Pilatos", um relatório enviado por Pôncio Pilatos a Tibério sobre Jesus Cristo. Todavia não se pode perceber da referência se Justino conheceu pessoalmente esses escritos ou apenas supunha a existência dos mesmos. Esta segunda hipótese é mais veros­símil, pois, como observa Tácito, os arquivos imperiais eram secretos e ninguém os podia consultar.

Cinqüenta anos depois, Tertuliano, grande apologista cristão, en­tendeu os dizeres de Justino no sentido de uma afirmação da existência dos "Atos de Pilatos"; declara que o processo e a morte de Jesus foram por Pilatos relatados ao Imperador.

Na verdade, foram tais "Atos" forjados por cristãos imaginosos, os quais se enganaram colocando o nome do Imperador Cláudio (41-54) em lugar do nome de Tibério (14-37).

2.6.   Retrato de Jesus Cristo

Existe uma declaração da personalidade de Jesus atribuída a Públio Lêntulo, governador da Judeia, antecessor de Pôncio Pilatos, em carta dirigida a Tibério. É obra medieval, destituída de autenticidade. Ei-la:

"A pessoa de Jesus é de nobre estirpe. Sua aparência é de uma beleza fora do comum, que jaz em sua majestosa maneira de ser. Usa seus brilhantes cabelos de cor castanha à moda nazarena, divididos ao meio, cobrindo os ombros. A tez de seu rosto é alva e sem rugas; sua fronte é lisa e bela. Nada a acrescentar sobre o formato de seu nariz e sua boca. Sua barba curta e espessa, usa-a exatamente ao estilo nazareno, sem apresentar qualquer cunho excêntrico. Os olhos são se­melhantes aos raios do Sol e, por motivo de seu intenso brilho, é impos­sível fitar seu rosto por tempo prolongado. Suas mãos e seus braços são bem formados. É amado por todos; é austero, contudo alegre. Usa san­dálias e anda sempre com a cabeça descoberta. Na conversação é muito amável; porém, raríssimas vezes deixa-se levar por uma palestra, e, quan­do Ele está com a palavra, mantém-se em atitude discreta. Sua aparên­cia é a mais bela possível de imaginar-se, semelhante à sua Mãe, que é a mais formosa das mulheres vistas aqui nesta região. É considerado um prodígio em sabedoria por todos os habitantes da cidade de Jerusalém. Nunca estudou; no entanto, conhece toda a ciência. Comenta-se que nunca se ouviu falar, neste país, sobre outra pessoa que o igualasse. Na verdade, os hebreus informam que jamais ouviram conselhos semelhan­tes, instruções tão elevadas como as que são ensinadas por este Cristo.

Muitos judeus o consideram divino e crêem n'Ele, enquanto outros vêm a mim para condená-lo, por estar em contradição com Vossa Majestade.

É notório que jamais infligiu qualquer mal a quem quer que seja, e que somente pratica o bem. Todos os que o conhecem e com Ele mantêm relações, dizem que d'Ele receberam curas e benefícios.

Publius Lentulus"

3. Documentos judaicos

3.1. A Tradição rabínica

Os judeus posteriores a Cristo deixaram-nos o Talmud, coletânea de leis e comentários históricos devidos aos rabinos. Apresentam-nos passagens referentes a Jesus. O valor de tais testemunhos está em que, embora se oponham à tradição cristã, não negam a existência de Cristo, mas procuram interpretá-la de maneira a ridicularizar os fundamentos da fé cristã (quem se daria ao trabalho de desfigurar um personagem lendá­rio?). Eis alguns espécimens mais significativos dessa tradição:

O tratado Sanhedrin 43a do Talmud da Babilónia refere:

"Na véspera de Páscoa suspenderam a uma haste Jesus de Nazaré. Durante quarenta dias um arauto, à frente dele, clamava: 'Merece ser lapi­dado, porque exerceu a magia, seduziu Israel e o levou à rebelião. Quem tiver algo para o justificar, venha proferi-lo!' Nada, porém, se encontrou que o justificasse; então suspenderam-no à haste na véspera de Páscoa".

Este texto parece envolver contradição: Jesus fora condenado ao apedrejamento, mas a pena aplicada foi a de pender do lenho (crucifixão). A incoerência pode ser explicada pelo fato de que o apedrejamento era o castigo judaico infligido aos magos e idólatras; di­zendo, pois, que Jesus fora condenado à lapidação, os judeus procura­vam justificar a condenação. Contudo a crucifixão de Jesus era fato de­masiado arraigado na tradição judaica para que se pudesse dizer que morrera apedrejado. - Notemos também a acusação de magia feita a Jesus: supõe que o Senhor tenha realizado milagres (os milagres de que fala o Evangelho); interpreta-os, porém, em sentido pejorativo como as obras diabólicas de Cristo (cf. Mc 3, 22). Outro pormenor interessante: as narrativas evangélicas dão a entender que o processo de Jesus se reali­zou às pressas. Ora o Talmud admite o inverossímil intervalo de quarenta dias entre a condenação e a execução, intervalo oferecido às testemu­nhas para se manifestarem - o que vem a ser uma tentativa de reabilitar os juízes de Jesus.

Em Aboda Zara 40d Jesus é dito Ben-Pandara ou Ben Panthera, filho de Pantera. Esta expressão aramaica parece ser a deformação do grego huiós tes parthénou (filho da Virgem), título com que os cristãos designavam Jesus; segundo a intenção polêmica dos talmudistas, o subs­tantivo comum parthénos foi transformado em nome próprio e passou a designar o pai ilegítimo que os rabinos atribuíam a Jesus (Maria estaria oficialmente casada com um homem cujo nome no Talmud é Pappos ou Stada). Teríamos nesta passagem rabínica uma confirmação da Antigüi­dade da fé no nascimento virginal de Jesus.

3.2. Flávio José

Fora da tradição rabínica, existe o historiador judeu Fávio José (37-95), que nas suas "Antigüidades Judaicas" se refere a Jesus:

"Por essa época apareceu Jesus, homem sábio, se é que há lugar para o chamarmos homem. Porque ele realizou coisas maravilhosas, foi o mestre daqueles que recebem com júbilo a verdade, e arrastou mui­tos judeus e gregos. Ele era o Cristo. Por denúncia dos príncipes da nossa nação, Pilatos condenou-o ao suplício da cruz, mas os seus fiéis não renunciaram ao amor por ele, porque ao terceiro dia ele lhes apa­receu ressuscitado, como o anunciaram os divinos profetas junta­mente com mil outros prodígios a seu respeito. Ainda hoje subsiste o grupo que, por sua causa, recebeu o nome de cristãos" (XVIII, 63s).

Este testemunho, tão elogioso em relação a Jesus, está sujeito às dúvidas dos críticos. Os louvores a Cristo podem ter sido interpolados por mãos cristãs, mas é certo que Flávio José assim atesta a sua convic­ção de que Jesus fora personagem histórico.

Na verdade, não é de crer que o texto como ele hoje é, seja da pena de Flávio José; se este tivesse escrito tais dizeres, ter-se-ia feito cristão. Sabe-se, porém, que Flávio José, bajulador do Império Romano, escreveu que o verdadeiro Messias, aguardado por Israel, era incontes­tavelmente Vespasiano. Foi em homenagem a este que acrescentou ao seu nome judaico José o nome do Imperador: Flávio.

Eis como a crítica tem procedido nos últimos três séculos:

Há quem negue a autenticidade das frases em negrito, pois pare­cem cortar o fio do discurso. Replicam outros que o estilo é exatamente o de Flávio José. E apóiam-se no fato de que Eusébio, bispo de Cesaréia no século IV, conhecia o texto e o aceitava. Os adversários contrapõem que os primeiros escritores da Igreja ignoravam o texto e afirmavam que Flávio José não aceitava o Messias Jesus.

Autores católicos como Batiffol e Lagrange estão de acordo com o racionalista Guignebert ao crerem que o texto de Flávio José sofreu interpolações cristãs; todavia há críticos racionalistas e protestantes como Harnack e Burkitt que defendem a autenticidade.

Giuseppe Ricciotti prefere a sentença já proposta pelo crítico libe­ral Theodor Reinach segundo o qual o texto é, fundamentalmente, de Flávio José, mas foi "melhorado" no século II, por algum copista cristão.

Flávio José, nas suas "Antiguidades Judaicas" XX, 9.1, refere ain­da uma notícia que atribui a Jesus o título de Messias.

"Anano convocou em juízo o Grande Conselho e fez comparecer diante dele um homem, de nome Tiago, irmão de Jesus, que se chama Cristo".

A referência, apesar de breve, tem sua importância por mencionar o título de Cristo (= Messias).

Resta examinar os documentos cristãos relativos a Jesus, que L. Cascioli pode julgar preconceituosos. São, antes do mais, os escritos do Novo Testamento, entre os quais sobressaem os quatro Evangelhos (Mt, Mc, Lc, Jo). A crítica reconhece geralmente que datam do século I.

A credibilidade desses escritos já foi comprovada em PR 427/1997, pp. 539ss; 318/1988, pp. 489ss; 210/1977, pp. 264ss.



4. Conclusão

As pessoas morrerão pelo que crêem ser verdade, mas ninguém morrerá pelo que sabe ser uma mentira.  É difícil compreender que alguém possa questionar a existência de Jesus Cristo. Esta é evidente não só pela vasta literatura que trata do assunto desde o século I, mas também pela obra ou corrente de pensa­mento chamada "Cristianismo". Homens e mulheres em grande número morreram por causa de Jesus Cristo tido como figura histórica. Não hou­ve quem lhes dissesse estarem a se sacrificar por nada. Com razão se diz em linguagem popular: "A mentira tem pernas curtas". A mentira "Je­sus" não teria durado tanto tempo.
O bom senso - e não somente a fé - assegura que não será difícil responder aos tribunais movidos pelo cidadão Luigi Cascioli.

PERGUNTE E RESPONDEREMOS Maio 2006