terça-feira, 23 de agosto de 2011

Teologia (Escatologia)

Uma indagação inquietante para muitos



 Revista "MUNDO e MISSÃO"

Rencarnamos ou Ressuscitamos?


 Renold J. Blank


convicção comum na maioria das religiões que, depois da morte, algo da pessoa humana, um espírito, uma alma ou algum outro princípio, continuará vivendo. Em muitas culturas defende-se, além disso, a idéia de que esse âmago invisível precisaria ainda passar por algum processo de purificação ou de aperfeiçoamento.

Nos escritos sagrados do hinduísmo, encontramos desde o século 6 a.C. a teoria de que tal aperfeiçoamento aconteceria através de, assim chamadas, reencarnações. As pessoas, depois da morte, teriam que voltar, em outro corpo e numa outra época, para viver outras vidas terrenas. Assim, pagariam pelas faltas cometidas em vidas anteriores ou receberiam a devida recompensa por suas boas obras.

A existência apresenta-se, a partir dessa visão, como roda sem fim de novas vivências, regidas por uma lei cósmica chamada "karma". O budismo adota a mesma crença. No contexto da cultura greco-romana, ela foi desenvolvida, desde Pitágoras e Platão, sob o nome de "metempsicose", de migração da alma de um corpo para o outro. Na época do Império Romano, as elites não-cristãs aderiram em grande parte à mesma crença, sobretudo a partir do movimento intelectual do neoplatonismo, do séc. 3 d.C. E até no judaísmo tardio do século 9 e 10, encontramos grupos que acreditavam na reencarnação.

Em meados do séc. 19, Alain Kardec formula, na França, uma síntese de várias dessas crenças, interligando-as com outras idéias sobre possibilidades de entrar em contato com espíritos de mortos. A sua concepção espalhou-se em pouco tempo sob o nome de espiritismo kardecista.Esse espiritismo, com o seu misticismo científico, tornou-se a grande base para todos aqueles que quiseram manter a idéia de uma sobrevivência depois da morte, sem por isso adotar a explicação, aparentemente mais mística do que científica, das religiões cristãs. A reencarnação parecia responder, ao mesmo tempo, aos anseios de seus corações e às exigências rigorosas da lógica intelectual.

As explicações de seus defensores pareciam lógicas e as supostas provas, apresentadas numa linguagem que soava muito científica, convenceram e ainda convencem até muitos cristãos. Isso, sobretudo, quando esses cristãos, nem de longe, sabem daquilo que, em nosso último artigo, foi chamado de "prova sociológica da ressurreição" Assim se espalhou a crença na reencarnação e até muitos cristãos esqueceram-se da alternativa chocante e inovadora, com a qual a sua própria religião responde à indagação sobre o destino do homem depois da morte: a ressurreição. Essa idéia revolucionária de que o homem, depois da morte, entraria numa forma de existência totalmente outra, nova, em dimensões que nem o intelecto mais imaginativo poderia imaginar, parecia ter perdido muito de seu poder de atração. Por causa disso, vale a pena lembrar de novo a sua gênese e a sua tese absolutamente deslumbrante.

Em oposição total a todos os argumentos lógicos e bem formulados dos adeptos da reencarnação, a idéia de que o último destino do ser humano iria além de uma repetição limitada ou ilimitada de sempre novas vivências, formou-se como crença ardente e viva de um povo insignificante aos olhos de todos os poderosos: Israel.

Nascida a partir de vivências históricas, dentro das quais o povo tinha experimentado a presença de um Deus totalmente diferente de todos os outros deuses da época, surgiu uma nova convicção: este Deus, que era tão diferente de todos os outros, também diante da morte de uma pessoa humana agiria de maneira diferente. "Nosso Deus é um deus da vida"! esta era a convicção central e, sendo ele assim, não deixará o ser humano desaparecer na morte.

Essa fé mantinha-se e expandiu-se durante séculos como a grande alternativa, contra todas as expectativas de todas as outras religiões e filosofias. "Deus é mais forte que toda morte", e como se mantém fiel à pessoa humana, ele a ressuscitará, de tal maneira que nunca mais ela tenha que experimentar a morte.

Não obstante todas as experiências traumáticas e catastróficas pelas quais Israel passou, essa sua concepção de esperança além da morte, já no século 4 a.C., alcança uma forma bem explícita, formulada, entre outros, no grande texto de Isaías, cap. 26, 19: "Teus mortos reviverão, os cadáveres ressurgirão! Despertai e alegrai-vos, vós que habitais o pó".

Não se fala de uma alma, nem de um espírito, que ressurgirá ou que por si seria imortal ou eterno. Exprime-se a convicção de que a pessoa inteira, na sua morte, será resgatada pelo agir de Deus. É ele que age, ressuscitando o ser humano que morreu, para que nunca mais morra. Nesses termos, ficava a convicção de uma fé cheia de esperança e que permaneceu, no nível de fé, por mais de 400 anos, até que foi confirmado historicamente pelo chocante evento que conhecemos pelo nome de "ressurreição de Jesus".

Sobre a historicidade de tal evento e seu significado, falamos em nosso último artigo. A partir dessa ressurreição, aquilo que antes tinha sido fé, alcançou uma base empírica, científica e histórica. Um morto tinha voltado à vida, porque "Deus o tinha ressuscitado". Assim formulam as testemunhas daquela época e, por seu testemunho, quase todos tinham que morrer nas perseguições. Mas nem por isso mudaram.

Deus ressuscitou Jesus e, ressuscitando este morto, confirmou a fé dos séculos passados. Ele, de fato, é um Deus capaz de ressuscitar mortos. Ele não só é capaz, mas ele o faz. Paulo, o brilhante primeiro intelectual entre os seguidores de Jesus, formula de maneira bem clara: "Deus, que ressuscitou Jesus, ressuscitará também a nós pelo seu poder".

Esse primeiro ressuscitado, Jesus, ao qual Paulo se refere, em nada era compreendido como sendo um reencarnado. Um reencarnado, conforme toda a teoria da reencarnação, se tivesse aparecido em outra época, em outra forma, dentro de um contexto histórico diferente.

Jesus, porém, não era diferente. Era ele mesmo e se lembrava completamente de tudo aquilo que tinha dito e feito antes de sua morte - o que um reencarnado nunca consegue. Jesus foi ressuscitado e não reencarnou, disso todas as testemunhas não tinham a mínima dúvida.

A partir dessa experiência, todo pensamento sobre reencarnação parecia simplesmente ridículo, superado e sem interesse nenhum. Por que pensar em repetir quantas vivências no contexto problemático deste mundo, se Deus demonstrou, em Jesus, de maneira tocável e visível, uma outra alternativa? Alternativa melhor e digna de um Deus, do qual se diz que ele quer a vida e que é a vida.

Deus ressuscita o homem e, uma vez ressuscitado por Deus, esse homem nunca mais morre. Deus não ressuscita só uma parte espiritual do homem, uma alma espiritual, mas a pessoa humana inteira, global e completa. E ele o faz, porque ama esses seres humanos.

Ele os ama de tal maneira que não quer esperar uma infinidade de sempre novas reencarnações, através das quais eles se purificariam progressivamente. Uma única vida basta e, depois dela, Deus ressuscita o homem, para que seja amparado no amor e na plenitude de vida dele. E, hesitando e balbuciando, tenho a coragem de dizer: para que Deus seja amparado no amor desse ser humano, que tanto ama e por cujo amor tudo faz.

É essa a grande convicção de esperança que, a partir de Jesus, começou a conquistar o mundo e que hoje, de novo, devemos recuperar.



RENOLD J. BLANK, Doutor em Teologia e em Filosofia, é professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.

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